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Exposição Cemitério Paulo Freire

de Ricard Huerta.De janeiro a fevereiro de 2024 no Hall da FPCEUP. Aberto a toda a Comunidade.

foto entrada exposição

A exposição Cemitério Paulo Freire é composta por áreas distintas e complementares a que Ricard Huerta dá um sentido comum, dialogando com Paulo Freire: um painel de flores, principalmente cravos, homenageia a vida e a revolução de abril de 1974; fotografias em contextos internacionais; fotografias captadas por docentes, investigadoras e algumas crianças; diálogos plásticos de Ricard Huerta com textos de Freire.

Transporta-se para o espaço da FPCEUP a mostra anteriormente realizada na Quase Galeria, com Produção e Montagem de Leonel Morais e José Nascimento, resultando da colaboração entre instituições: Universidade do Porto | Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação e Faculdade de Belas Artes; ESE Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto; Universidade de Valência | Grupo de Investigação Creari em Pedagogias Culturais (GIUV/2013/103) / Instituto de Criatividade e Inovações Educacionais; Quase Galeria / Fundação Espaço T; Instituto Paulo Freire de Portugal.

A exposição é o culminar de um projeto artístico e educativo que conjuga criação e educação artística, literatura, e as preocupações sociopolíticas do grande político filósofo da educação Paulo Freire. Cruza-se inovação e inclusão, cultura, participação e tecnologia.

Curadoria | Maria de Fátima Lambert

Coordenação da investigação académica | Amélia Lopes

Proposta de Textos de Freire e Organização na FPCEUP | Eunice Macedo

A partir da produção e montagem de Leonel Morais e José nascimento | Joana Macedo SCI

Comissão 50 Anos 25 Abril na FPCEUP

montagem fotos exposição
montagem de fotos da exposição

Maria de Fátima Lambert, ESE

Excertos da Brochura, Quase Galeria, 2023

Confrontada com o projeto de investigação e criação de Ricard Huerta, sob designação Cemitério Paulo Freire, numa primeira aproximação, percorro os caminhos do tempo passado, plasmado em vozes psicoafectivas que convoquei. (…) Pensando no título da exposição, que reúne registos pessoais / efetivos de cemitérios a existirem em cidades específicas, a convergirem no espaço de celebração Cemitério Paulo Freire, (…) Penso na cidade, de ambos cemitérios: Paranhos e Agramonte, essa cidade que os meus Pais, Avôs, Bisavôs habitaram, em permanências e estadias, entrecortadas por travessias ao Brasil e pela Europa. A cidade do Porto – ainda que contemplando seus arredores pela costa afora até à Vilar do Paraíso, Miramar e Granja - é o denominador comum dessas gerações, numa continuidade que o destino interrompeu. Pensa-se uma cidade embrumada na humidade dos dias estacionados em janeiro, abril, maio e no Outono, quando mais se adentrava a densidade de memórias e celebrações. Vislumbram-se convivas e passeantes que, advindos de outros territórios se reuniam nas casas para conhecer parentes distantes e transitórios.

(…) Os relatos de paisagem, as narrativas introspetivas coadunavam-se à disponibilidade e capacidade em absorver elementos singulares. Similitudes, disparidades adentravam-se, configurando visões ficcionadas ou aproximadas a tudo aquilo que havia para conhecer em cidades ou no campo, em estado de estranheza lúcida. A identidade do artista estrangeiro regimentava tópicos que plasmavam uma observação rigorosa, servindo para se afastar da efetividade das coisas, ou pelo contrário, permitindo-se enfatizá-las.

…Nem sempre os portugueses/portuenses tiveram, nem a noção, nem o interesse em abordar o seu quotidiano, nomeadamente em épocas críticas; tampouco valorizaram as características exclusivas do meio envolvente ou identificaram a pertinência do que fosse o seu Zeitgeist. Então, é preciso evocar-se alguns desses escritos, particularmente quando o escopo consistia numa análise fundada em exigências intelectuais significativas.

…As visões, os olhares induziam a esse deleite estético, quer das pessoas locais, quer de estrangeiros. Assim sedimentavam a superfície, a pele da cidade, tanto quanto a consolidaram nas suas entranhas, subsumidas as matrizes simbólicas ou memoriais. Um aspeto que se afigura essencial, consiste no facto do “visitante” carregar na sua bagagem [material ou conceptual] - esse escopo fundamental: registar, documentar, representar locais que, por um lado ainda possa desconhecer, ou por outro lado, possa querer repetir nas suas lembranças. Em ambos os casos, predomina a disponibilidade para os detetar, identificar, encontrar, destacando-os na cartografia, aparentemente densa ou filtrada, do desconhecimento.

montagem de fotos da exposição
montagem de fotos da exposição

Eunice Macedo, FPCEUP-CIIE; IPFP,

Adap. de texto in Ricard Huerta (2023) Cemitério Paulo Freire

O projeto “Cemitério Paulo Freire”, de Ricard Huerta, entrou na FPCEUP pela mão de Amélia Lopes. Ricard justificou a proposta de projeto enquanto oportunidade de exploração de textos e contextos a partir de um olhar desdramatizante sobre a morte – focado na visibilização do património patente na profusão expressiva das letras e dos dizeres dos mausoléus, e nas figuras escultóricas que preenchem os nossos cemitérios – desafiando a olhar para esses espaços de outra forma. Explorar a morte pode consistir numa homenagem à vida, à vida que prevalece e se alimenta na manutenção de rituais, como mais uma forma de viver a vida.

Porquê Freire? Porquê os cemitérios?

Quanto à primeira questão, Ricard esclareceu que procurava uma pessoa que se expressasse em língua portuguesa e possuísse suficiente relevo internacional para captar a atenção para a problemática em debate. Esta mesma lógica orientou três exposições anteriores, na mesma modalidade, a mais recente, em Bolonha, com Pasolini. Freire e o pensamento freiriano cumpriam brilhantemente essas funções. Freire é um pensador e comunicador poderoso e o seu trabalho tem sido reconhecido ao nível internacional. Foi também a existência de um Instituto Paulo Freire de Portugal, sediado na FPCEUP, que suscitou a inspiração em Freire, expandindo os cânones habituais do recurso à filosofia política da educação deste pedagogo. Face a esta pro-vocação, o que tem a dizer Freire – autor da resistência, da briga e dos afetos – sobre a questão da morte? A exploração desse filão, resultou na deteção de um conjunto de referências, em quatro obras de Freire: “Professora sim, Tia não”, em que Freire fala da morte associada à perda de ideologia e em que afirma a sua opção pela vida; “Por uma pedagogia da pergunta”, em que Freire fala sobre ‘resistência, respondendo a uma questão relativa à morte do conhecimento, por relação com a morte da política; “Pedagogia do oprimido”, em que fala do amor à morte associado à opressão das pessoas oprimidas, por exemplo “A opressão, que é um controle esmagador, é necrófila. Nutre-se do amor à morte e não do amor à vida.”; “Pedagogia da esperança” – morte(s) associada a vários temas.

Freire dialoga com a “morte”, na tensão entre dominação e subordinação, muitas vezes prevalecente nas sociedades humanas; um diálogo que nos convoca a fazer opções éticas de amor à vida, no quadro de uma estética do solidário e do sensível.

Para dar visibilidade à investigação, na corrente exposição, Ricard categorizou textos e imagens de cemitérios, recolhidas por si em contextos internacionais, nm diálogo de proximidade, que homenageia o pensamento freiriano e convoca simultaneamente a sua homenagem à vida. Por outro lado, pincelou diálogos informais com excertos de textos de Freire, trazendo cor e vida às expressões da morte; e ainda mobilizou estudantes, docentes e investigadores para fazerem parte desta exploração tirando partido da(s) estética(s) sui generis capturadas em imagem pelas pessoas participantes, em cada cemitério. Uma pessoa, uma imagem – a contenção do olhar que opõe a qualidade à quantidade.

Realmente, a resposta ao porquê dos cemitérios é de uma outra ordem de racionalidade, permitindo perceber como os limites podem ser transformados em oportunidades, quando o desafio de tornar significativas e poderosas as aprendizagens das e dos estudantes se sobrepõem a quaisquer formas de conformismo. Foi a situação pandémica que, não permitindo a Ricard visitar museus com as e os alunos, como espaços de aproximação e experimentação estética, o obrigou a descobrir outros lugares que proporcionassem a experiência do sensível e da educação do olhar. De forma inesperada, estas imersões nos mundos da ‘morte’ despertaram nas e nos estudantes emoções e partilhas inesperadas, num (re)encontro com as próprias vidas e experiências com a morte, que tornaram ainda mais significativas as aprendizagens e permitiram aprofundar relações, humanizando-as. Tiveram também um efeito desdramatizante e de reconhecimento do património histórico e cultural dos cemitérios, em que a vida, sendo vida, prevalece na homenagem à morte.