Maria de Fátima Lambert, ESE
Excertos da Brochura, Quase Galeria, 2023
Confrontada com o projeto de investigação e criação de Ricard Huerta, sob designação Cemitério Paulo Freire, numa primeira aproximação, percorro os caminhos do tempo passado, plasmado em vozes psicoafectivas que convoquei. (…) Pensando no título da exposição, que reúne registos pessoais / efetivos de cemitérios a existirem em cidades específicas, a convergirem no espaço de celebração Cemitério Paulo Freire, (…) Penso na cidade, de ambos cemitérios: Paranhos e Agramonte, essa cidade que os meus Pais, Avôs, Bisavôs habitaram, em permanências e estadias, entrecortadas por travessias ao Brasil e pela Europa. A cidade do Porto – ainda que contemplando seus arredores pela costa afora até à Vilar do Paraíso, Miramar e Granja - é o denominador comum dessas gerações, numa continuidade que o destino interrompeu. Pensa-se uma cidade embrumada na humidade dos dias estacionados em janeiro, abril, maio e no Outono, quando mais se adentrava a densidade de memórias e celebrações. Vislumbram-se convivas e passeantes que, advindos de outros territórios se reuniam nas casas para conhecer parentes distantes e transitórios.
(…) Os relatos de paisagem, as narrativas introspetivas coadunavam-se à disponibilidade e capacidade em absorver elementos singulares. Similitudes, disparidades adentravam-se, configurando visões ficcionadas ou aproximadas a tudo aquilo que havia para conhecer em cidades ou no campo, em estado de estranheza lúcida. A identidade do artista estrangeiro regimentava tópicos que plasmavam uma observação rigorosa, servindo para se afastar da efetividade das coisas, ou pelo contrário, permitindo-se enfatizá-las.
…Nem sempre os portugueses/portuenses tiveram, nem a noção, nem o interesse em abordar o seu quotidiano, nomeadamente em épocas críticas; tampouco valorizaram as características exclusivas do meio envolvente ou identificaram a pertinência do que fosse o seu Zeitgeist. Então, é preciso evocar-se alguns desses escritos, particularmente quando o escopo consistia numa análise fundada em exigências intelectuais significativas.
…As visões, os olhares induziam a esse deleite estético, quer das pessoas locais, quer de estrangeiros. Assim sedimentavam a superfície, a pele da cidade, tanto quanto a consolidaram nas suas entranhas, subsumidas as matrizes simbólicas ou memoriais. Um aspeto que se afigura essencial, consiste no facto do “visitante” carregar na sua bagagem [material ou conceptual] - esse escopo fundamental: registar, documentar, representar locais que, por um lado ainda possa desconhecer, ou por outro lado, possa querer repetir nas suas lembranças. Em ambos os casos, predomina a disponibilidade para os detetar, identificar, encontrar, destacando-os na cartografia, aparentemente densa ou filtrada, do desconhecimento.