Pedro Leão Neto: “Ter uma visão da utopia, não como um conceito cristalizado na perfeição, mas mais como uma visão futura”

Pedro Leão Neto: “Ter uma visão da utopia, não como um conceito cristalizado na perfeição, mas mais como uma visão futura”

Em colaboração com a scopio Editions, a U.Porto Press lança DPIc: Arquitetura, Arte e Imagem — UTOPIA 500. O livro dá um seguimento textual e ilustrativo dos resultados da primeira edição do Concurso Internacional de Desenho e Imagem (DPIc), realizado em 2016, contemplando posteriores reflexões sobre as visões utópicas plasmadas nos trabalhos apresentados por estudantes, investigadores e artistas.

A U.Porto Press esteve à conversa com um dos coordenadores editoriais desta publicação, Pedro Leão Neto. Responsável também pelo grupo de investigação Arquitetura, Arte e Imagem (AAI), da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (FAUP), o professor e também arquiteto aborda a importância da interdisciplinaridade, quer da arquitetura, quer de outras áreas, na persecução de uma melhor realidade — de uma utopia —, descortinando ainda pormenores sobre a segunda edição do Concurso Internacional de Desenho e Imagem, a acontecer ainda este ano.

Livro DPIc: Arquitetura, Arte e Imagem — UTOPIA 500

Como surgiu a iniciativa, isto é, tanto o concurso como a posterior publicação?

Quer o concurso, quer a publicação são o resultado de uma colaboração do Centro de Estudos de Arquitetura e Urbanismo (CEAU) da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (FAUP) e do CETAPS — Centre for English, Translation and Anglo-Portuguese Studires — da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP). Começou com o Concurso Internacional de Desenho e Fotografia (DPIc), em 2016. Foi uma iniciativa que resultou muito bem, tendo suscitado o interesse de diversas instituições, bem como uma participação significativa e, portanto, a qualidade e os seus resultados levaram-nos a continuar com esta iniciativa, reforçando todo este trabalho e propondo, inclusivamente, uma segunda edição do concurso, bem como uma publicação relacionada com estes universos da Arquitetura, Arte e Imagem e da Utopia.

Esta iniciativa, quer no concurso, quer na publicação, teve uma grande abrangência de profissionais e artistas envolvidos. Há uma componente de editorial significativa e, portanto, há um conselho científico que é da responsabilidade do CEAU e do CETAPS. Há uma chancela editorial, quer da U.Porto Press, quer do scopio Editions, com os coordenadores editoriais— a Fátima Vieira e a minha pessoa —, como a editora Maria Neto — investigadora do CEAU e do nosso grupo de Arte, Arquitetura e Imagem (AAI) —; colaboradores editoriais — Eduardo Silva, também investigador do nosso grupo [AAI] e do projeto Visual Spaces of Change — e Rita Ribeiro — que é coordenadora de vários projetos no CETAPS. Temos como designer e diretora artística Né Santelmo.

Muito importante, não só no primeiro concurso, como também nesta segunda edição e na própria publicação, são os artistas que foram convidados a serem membros do júri e, inclusivamente, a participarem, através das suas imagens, quer na publicação, quer na divulgação do concurso: Ana Aragão — arquiteta, autora, uma artista com uma obra no universo do desenho— e Cláudio Reis — também arquiteto, autor, um artista com uma obra no universo da fotografia.

Falou numa “participação significativa”. Quantas pessoas participaram na primeira edição do concurso?

Tivemos diversos concorrentes — foram mais do que 20 —, embora, depois, tenha havido toda uma seleção de trabalhos mais criteriosa. Agora, estamos muito interessados em lançar esta segunda edição do concurso e alargamos este âmbito do Concurso Internacional de Desenho e Fotografia, integrando-o no projeto de investigação Visual Spaces of Change. É importante dizer que o alvo deste concurso são, principalmente, os estudantes dos primeiro, segundo e terceiro ciclos das universidades e alunos de Erasmus — portanto, numa internacionalização —, mas também pensando em jovens investigadores de qualquer instituição de ensino. Este concurso está direcionado, realmente, para o espaço e identidade das universidades. Reflete, de uma forma muito operativa, a pertinência de cruzar estes universos da arquitetura, arte e imagem e a vontade da utopia, de um mundo melhor, que se reflete em espaços, capazes de conceber uma melhor qualidade de vida. O concurso permite dar voz, quer aos investigadores, quer aos estudantes, incentivando-os a explorar ideias e emoções, através do desenho e da fotografia, para dar resposta a esta vontade transformadora.

Falando no cruzamento entre Arquitetura, Arte e Imagem e a Utopia: de que forma a “visão utópica” está presente na publicação DPIc: Arquitetura, Arte e Imagem – UTOPIA 500 ?

Esta visão utópica está presente em várias secções e conteúdos. Por um lado, nos próprios resultados — nos díticos — onde nós encontramos sempre uma imagem crítica sobre um determinado espaço existente e uma visão [que] perspetiva sobre o que é que poderia ser esse espaço, refletindo uma outra situação, de uma sociedade que, através exatamente da sua arquitetura e do seu território, pode dar uma outra resposta.

Por outro lado, encontramo-la em termos teóricos, não só quando falámos criticamente sobre as imagens, sobre o concurso, mas também quando referimos os diversos autores que são convocados nos textos que contextualizam e explicam estes universos de Arquitetura, Arte e Imagem combinados com a Utopia. Fala-se assim sobre o desenho e a fotografia de forma abrangente, ou seja, dá uma compreensão da imagem e do seu uso como meio de representação para um entendimento mais alargado para o que é a arquitetura, a cidade, o território. Chama a atenção para o potencial que existe na exploração destes instrumentos visuais, da imagem enquanto meio capaz de explorar visões transformadoras do território e, principalmente, como dispositivo que permite deslocar limites, atravessar fronteiras entre várias áreas disciplinares e problemáticas — na área da arquitetura, na arte e outras áreas disciplinares que, naturalmente, cruzam o espaço urbano, o espaço cidade.

“Natural Fantasies”, de Francisco João Silva.

Tanto o concurso, como a publicação refletem o cruzamento entre áreas como arquitetura, arte, desenho, fotografia. Qual a importância destas áreas disciplinares nos tempos atuais? São devidamente valorizadas?

Penso que tem existido uma maior consciência da importância quer no universo da arte, quer no universo da arquitetura, [ambas] compreendidas de forma abrangente. Ou seja, uma arquitetura pensando várias escalas na cidade, no território; como é que todas as cidades caracterizam o território, como é que os vários edifícios e espaços públicos caracterizam a cidade. Como a arte deve estar presente e é uma área essencial e transversal a diversos universos disciplinares e que permite pensar o real de forma diferenciada e, existindo uma interdisciplinaridade — não só com a arquitetura, mas com outras áreas disciplinares —, é possível não só dar uma resposta, como ter um entendimento muito mais profundo, muito mais rico sobre os problemas que nos afetam a todos, na contemporaneidade, e como lhes podemos dar resposta.

Acima de tudo, é a interdisciplinaridade que eu penso que tem vindo a ganhar uma forma e uma consciência muito significativas na atualidade, embora ainda haja muito trabalho a fazer. Penso que é através de um trabalho colaborativo e interdisciplinar, fomentando redes nacionais e internacionais, para tentar encontrar respostas, — e pensando nos momentos atuais de desenvolvimento sustentável — que estas possíveis soluções de transformação se tornam mais possíveis de concretizar. São mais ricas e são propostas mais consolidadas, mais profundas, exatamente por causa desta capacidade de ter uma resposta conjunta, onde colaboram várias visões.

Tudo isto penso que, no fundo, se relaciona, por um lado com o projeto Arquitetura, Arte e Imagem —e com o próprio grupo — e por outro lado com o projeto da UTOPIA 500. Ou seja, ter uma visão da utopia, não como um conceito cristalizado na perfeição, mas mais como uma ideia, uma visão futura que é capaz de propor algo operativo e que vai tentar dar uma resposta e uma luz relativamente a questões que se colocam na atualidade.

O professor é coordenador do grupo de investigação de Arquitetura, Arte e Imagem (AAI) da FAUP. Quais são os principais desafios dos estudos realizados no seu trabalho?

O principal desafio na investigação realizada no nosso grupo de Arquitetura, Arte e Imagem é, sobretudo, promover um universo alargado, que não só abrange várias escalas do território, mas também um universo que não está preocupado só com os códigos de arquitetura, a forma e a técnica da construção do espaço, mas sim também preocupado [com a maneira] como as pessoas vivem esse território, como é que se apropriam e personalizam esse território. [Perceber] como é que a arquitetura, a transformação e a construção do espaço, é capaz de integrar diversas dimensões construtivas, técnicas, políticas, económicas, históricas e como, no fundo, a arquitetura é a expressão formal de toda uma sociedade, de toda uma era e da sua cultura. Portanto, é nesta visão abrangente sobre a arquitetura que nós nos situamos.

Por outro lado, perceber o potencial que os universos da imagem e da arte têm para complementar e enriquecer não só a compreensão do território e da arquitetura, mas também para fomentar uma resposta e um olhar crítico relativamente ao real e diversas realidades que o integram e caracterizam o nosso quotidiano, os nossos territórios atuais — das cidades e não só.

Temos um projeto importante que reflete, no fundo, estas preocupações de investigação — Visual Spaces of Change —, financiado pela FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia). Um projeto onde colaboram diversos autores, diversas áreas disciplinares. É um projeto de arquitetura, arte, imagem e inovação. Portanto, há uma componente significativa de fotografia contemporânea e também uma integração da tecnologia neste projeto, a imagem combinada com o mapeamento, a georreferenciação, as tecnologias de informação e comunicação.

Isto surgiu da investigação nestas áreas, por parte do nosso grupo, e o que nos interessa é investigar as condições para ser possível criar uma rede de espaços públicos e coletivos capaz de catalisar as dinâmicas atuais de mudança na Área Metropolitana do Porto e, realmente, dar uma perceção diferenciada e suscitar uma autorreflexão sobre estas mudanças no território. No fundo, a área metropolitana, que é o nosso território de estudo, é utilizado como um laboratório de experimentação empírica de várias estratégias de representação e comunicação, através de projetos de fotografia contemporânea destes espaços cidade, destes processos de mudança urbana.

Em 2019, interviemos em vários espaços cidade. Um dos principais espaços e programas de arquitetura, âncora da rede que queremos criar, eram as estações de metro do Porto. Mas não só. Portanto também houve diversas comunicações, diversos debates, onde participaram áreas disciplinares diferentes, com diferentes visões do território, em instituições não só de ensino e investigação, mas também ligadas à arte e ao editorial. Neste momento, é dos projetos mais significativos e que está em curso, embora também seja importante referir que temos um projeto editorial — scopio Editions — que consegue ser um catalisador de dinâmicas transversal a todas estas iniciativas e áreas operacionais, relacionadas com a fotografia, o espaço urbano e a arquitetura, ou com o próprio ensino das unidades curriculares.

O trabalho dos grupos de investigação passa pela interdisciplinaridade entre vários projetos, no âmbito da arquitetura, arte, imagem e inovação. Fonte: Arquitetura, Arte e Imagem (AAI)

Que planos futuros se vislumbram para os projetos de Arquitetura, Arte e Imagem e UTOPIA 500?

Por um lado, a aposta neste segundo concurso, em que realmente há uma consolidação de um trabalho teórico de revisão crítica relativamente à utilização da imagem, através da fotografia, do desenho e de uma série de representações para investigar o espaço público, a cidade, mas introduzindo visões transformadoras do território. São propostas em que os autores percebem o espaço e o território de uma forma diferenciada e através de um discurso visual são capazes de um discurso crítico. Isso pode levar a uma própria transformação do espaço. Portanto, há aqui uma forma operativa e conceptual muito interligada com a investigação da utopia — e é aí que pretendemos continuar a investir.

Ao longo desta conversa, o professor tem frisado o cruzamento entre os universos da arquitetura, arte e imagem e da utopia. Este propósito, de busca da utopia, poderia ser capaz de beneficiar outras diversas áreas da sociedade?

Sim, acredito que sim. Aliás, essa transversalidade de pensar a utopia como uma ferramenta mental tem um potencial muito grande para ser utilizado em muitas áreas disciplinares, como uma forma de dar um outro tipo de resposta não-normalizadora, não-tradicional, a questões que afetam a contemporaneidade. É uma forma inovadora — através da ficção, da poética, de uma idealização — por [deter] essa liberdade na exploração de respostas, não só no campo da filosofia, como da arquitetura, das tecnologias. É muito mais uma postura e uma forma de tentar compreender e dar uma resposta relativamente a um universo de questões que se podem colocar em várias áreas disciplinares e contextos. Há sempre um lugar para este dispositivo da utopia poder ser utilizado de forma positiva.

Relativamente à segunda edição do Concurso Internacional de Fotografia e Desenho, quais as principais diferenças comparativamente à primeira edição?

Este concurso tem uma componente internacional mais assumida, isto é, integra já, à partida, duas universidades de países estrangeiros. No fundo, estamos a falar da Chalmers University of Technology e da Universidade Politécnica da Catalunha, que serão nossos parceiros num futuro programa de financiamento do projeto Laboratório de Arquitetura, Arte e Imagem e Inovação — portanto, muito ligado ao Visual Spaces of Change. Como se percebe, estas questões estão integradas numa proposta para os autores ou os coletivos terem perspetivas sobre o espaço e identidade das universidades e a sua relação com os espaços urbanos e as cidades em que estão integradas. Ao contrário do primeiro concurso, que partia da Universidade do Porto, dos seus vários espaços e polos, aqui nós abrimos o concurso para os nossos vários parceiros internacionais. Portanto, isso é um fator de diferenciação importante.

Por outro lado, há uma maior integração do resultado dos projetos das equipas que concorrerem, relativamente ao projeto Visual Spaces of Change, porque, no fundo, serão sempre trabalhos onde a imagem — ou através da fotografia, do desenho ou [de forma] combinada — é utilizada como forma de compreensão crítica e autorreflexiva do território, do espaço urbano, dos espaços que estão a ser objeto de estudo e de representação. Por outro lado, através exatamente desses instrumentos, [pretende-se] construir uma visão com componente utópica, que vai dar uma luz e permitir uma outra intervenção sobre o território na contemporaneidade. Portanto, perceber como poderiam esses espaços ser percecionados e idealizadas soluções inovadoras para eles, como é que as pessoas poderiam apropriar-se, viver ou trabalhar nesses espaços de uma maneira mais rica e humana.

Quais as principais expectativas para a segunda edição do concurso?

Com o lançamento da publicação e o abrir deste concurso, esperamos que consiga mobilizar os parceiros já associados, quer a nível nacional, quer a nível internacional, visto que o Visual Spaces of Change tem vindo a comunicar a investigação e o trabalho que tem estado a ser desenvolvido na Área Metropolitana do Porto às várias unidades orgânicas da Universidade do Porto, mas também aos nossos parceiros internacionais, quer relacionados com arquitetura — Escola de Arquitetura de Liverpool, Escola de Arquitetura de Saragoça —, [quer] com vários autores internacionais e investigadores. O projeto UTOPIA 500 tem uma componente interdisciplinar imensa e contamos que este projeto, com este concurso, possa não só dinamizar a investigação da arquitetura, arte e imagem e da utopia, mas também desenvolver um maior empenho e qualidade dos próprios projetos. É um concurso aberto e podem existir — e existem sempre — perfis muito diferenciados de quem concorre: são alunos de 1º ciclo, ou são alunos de 3º ciclo, ou são investigadores… Portanto, é compreender as várias fases que podem dar resposta a um concurso neste contexto. Mas sem dúvida [que] todos eles [são] importantes, porque é importante pensar a cidade, estas questões de arquitetura, arte e imagem e da utopia, como instrumento que permite dar respostas inovadoras para a contemporaneidade, transversalmente.