Um Espanto que é também inclusão, liberdade, transversalidade e sentido de humor. A Universidade do Porto apresenta, pela primeira vez, a Coleção Norlinda e José Lima (NJL) em diálogo com o seu Museu de História Natural e da Ciência (MHNC-UP). Com cerca de 70 peças, algumas inéditas, a exposição inaugura no próximo dia 21 de março, às 18h00, na Casa Comum.Artistas como Donald Baechler, José Chambel, André Cepeda, Sara Bichão (inéditos), Anish Kapoor, Dan Graham e Rui Chafes vão estar representados nesta exposição que reúne fotografia, vídeo, instalação, pintura e escultura, mas também desenhos de arte rupestre, uma balança de precisão, escaravelhos, tamancos e uma armadilha de pássaro.Que relações podemos estabelecer entre peças de arte contemporânea e coleções de Antropologia e Etnografia? Ficará um universo nos antípodas do outro? Ou poderemos, pelo contrário, inaugurar territórios de contágio?Nesta exposição, explica uma das comissárias, Fátima Marques Pereira, procurou-se extrair e promover novas leituras da relação (in)direta da arte contemporânea “com a história, a etnografia, a morfologia geográfica, a ciência ou até com qualquer criação e/ou pensamento humano da – VIDA nas suas múltiplas dimensões.” Deste espaço de “contaminação” entre a realidade artística e científica pretendemos fazer emergir outras “dimensões mundanas, espirituais, científicas, sociais, poéticas, políticas, etc.” 

Tapete de algodão e penas (séc. XX) / Museu de História Natural e da Ciência da U.Porto. (Foto: U.Porto)

Um Espanto partilhado

O interesse da Academia, a “abertura à ciência” e a quem possa estudar a coleção é algo que José Lima sempre projetou e que considera fundamental: “Estou muito contente com isto. O Espanto é meu!”, confessa.

Um entusiasmo reforçado pela abertura a novos públicos. “A Coleção [Norlinda e José Lima] não é minha. É nossa! É para ser vista. Não digo: este quadro é meu. Digo: Este quadro é nosso. Quero mostra-lo”. Que mais pessoas se interessem, trabalhem e discutam a coleção “é uma das metas que pretendo atingir. Isto é uma história com quase 50 anos. Não tenho a coleção para mim, quero é partilha-la. Quero que seja um espanto partilhado”.

José Lima era ainda muito jovem quando começou a trabalhar na indústria do calçado. Tirava um dia para visitar museus, sempre que viajava para participar em feiras internacionais. É de autoria do pintor e escritor Álvaro Lapa a primeira peça da qual não mais se conseguiu separar. A coleção foi crescendo e chegou a ter em casa cerca de 600 peças que ia arrumando, como quem arruma livros. “A minha mulher não passava no corredor”.

A criação e o criador

O espanto é a energia matriz desta pulsão que o leva a adquirir peças como a que iremos ver de Anish Kapoor, artista que nasceu em Bombaim, estudou no Reino Unido e, na década de 1990, venceu o prestigiado prémio Turner. Foi em Nova Iorque que José Lima viu uma peça sua pela primeira vez. Descobriu que este “trabalho fabuloso de escultura em madeira pintada” ia a leilão” e decidiu voar até Londres para o poder ver de perto. “Apaixonei-me por ele “.

Depois do primeiro impacto, o encantamento é também o anzol que traz à tona o criador. “Tenho de saber quem é. A maneira como está na vida. O seu pensamento”. Foi esta curiosidade que o levou até à “fabulosa” história do Sr. Valadares que estudava e criticava áreas tão diversas como filosofia, automobilismo, medicina e arte asiática.

“Esse senhor (que vivia sozinho, num apartamento em Lisboa) era uma enciclopédia. Quando faleceu, tinha a casa cheia de pastas sobre tudo quanto possa imaginar. Achei extraordinário”. José Lima descobriu esta história graças a 9 pieces from Monsieur Valadares de Nuno Nunes-Ferreira, artista que explora os vestígios da história e a noção de arquivo.

Outras vezes, como no caso da dupla João Pedro Vale + Nuno Alexandre Ferreira, é a controvérsia que funciona de gatilho. A força das mensagens (de teor politico e de alerta contra a homofobia) levou-o a interessar-se pelas peças e pela história de quem as criou. O sentido de humor é outro fator de atração. “I am too poor to be a collector and too untalented to be an artist” foi uma frase que o impactou na peça do artista, escritor e curador Kenny Schachter. “Aplicava-se a mim. Depois quis conhecer o artista”. Considera-se um comprador compulsivo, “defeito” que, entre sorrisos, diz ter até hoje. São 50 anos de uma paixão que já lhe “está na alma”.

 

Pormenor de “The Wedding”, trabalho de João Pedro Vale + Nuno Alexandre Ferreira. (Foto: DR)

 

Disseminar o vírus da criatividade

Em depósito no Centro de Arte Oliva, em São João da Madeira, a coleção Norlinda e José Lima conta já com cerca de 1600 peças onde estão representados cerca de 500 artistas nacionais e internacionais. É uma das maiores coleções de arte privadas do país.

O Reitor da U.Porto afirma que esta exposição faz cumprir os desígnios “que inspiraram a criação do espaço público de cultura, arte e cidadania que é a nossa Casa Comum: franquear a academia à comunidade e disponibilizar uma programação vibrante e essencial, que consolida o firme vínculo que une a academia à cidade”.

Um Espanto, acrescenta António de Sousa Pereira, que servirá ainda o propósito de “disseminar, entre quem nos visita, o amável vírus da criatividade, do arrojo e da inovação, que são parte inalienável da identidade da Universidade do Porto”.

Fátima Marques Pereira e Ana Anjos Mântua assinam o comissariado de Espanto. A exposição ficará patente até ao dia 31 de agosto, período durante o qual será desenvolvido um programa de atividades paralelas.

As portas da Casa Comum estarão abertas de segunda a sexta-feira, das 10h00 às 13h00 e das 14h30 às 17h30. E aos sábados, das 15h00 às 18h00.

A entrada é livre.

Fonte: Notícias U.Porto