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Peça do mês

Descubra a mais recente peça do mês e descubra mais da vida e obra de Abel Salazar.


A Casa-Museu Abel Salazar divulga, todos os meses, uma peça do seu acervo, com o objetivo de partilhar a história das peças e do acervo disponível na CMAS, evidenciando temas e tipologias de objetos com elevado valor histórico e científico e que apresentam um pouco mais de Abel Salazar.

Bouça Minho | março de 2025


Bouça Minho, óleo sobre madeira, assinado e datado de 1925 (18,7x27). UP-CMAS-000052

Luminosa paisagem rural minhota, construída a partir de vigorosas e densas camadas pictóricas, próprias do início da carreira artística de Abel Salazar, de sabor impressionista, embebido nas suas sensibilidades e idiossincrasias. Marcada ao centro pela figura de uma camponesa, em singelo traje de trabalho, composto por saia castanha, abaixo do joelho, blusa clara, arregaçada nas mangas, e o tradicional lenço vermelho, costumeiro desta região, a proteger e ornar a cabeça.

A mulher está curvada para a direita, em jeito de colher ou apanhar algum elemento do mundo natural envolvente, mundo esse descrito através de uma paleta de tons verdes, raiados por apontamentos dourados, sugestivos de vegetação rasteira e de flores silvestres. Ao seu lado impõe-se uma árvore sem folhas e de tronco claro.

No mesmo plano, mas do lado oposto do quadro, desponta um afloramento rochoso, provavelmente granítico, pouco protuberante, que tem uma réplica de menor porte no canto inferior esquerdo da tela onde se inscreve, a vermelho, a assinatura do pintor. No enquadramento da bucólica cena surge outro arvoredo, frondoso, como pinheiros silvestres, e ao fundo uma paisagem esbatida. Esta obra pertence à coleção permanente da Casa-Museu Abel Salazar e foi restaurada em 2003.

Autorretrato de Abel Salazar. Abel Salazar (1889-1946). 1926. Óleo sobre tela. UP-CMAS-000172.

Em 1926, Abel Salazar pintou um autorretrato que reflete a sua condição emocional e psicológica. Na obra, ele representa-se no ateliê de S. Mamede de Infesta, vestindo a bata cinzenta de sarja que usava tanto no trabalho científico quanto no artístico, peça que ainda hoje está preservada na Casa-Museu Abel Salazar. A assinatura, feita a preto no canto inferior direito, aparece sobre o verso da tela que ele está a compor, um detalhe presente em algumas de suas pinturas.

Esse autorretrato foi criado num período particularmente difícil de sua vida. Após mais de uma década de intenso e reconhecido trabalho científico nas áreas de Histologia e Embriologia, Abel Salazar foi acometido por uma depressão que o forçou a interromper suas atividades académicas na Universidade do Porto, entre 1926 e 1931. Esse afastamento não se limitou à universidade, estendendo-se também à sua produção científica, literária e artística, além do convívio com familiares e amigos.

O contexto político também teve influência em sua trajetória. O ano de 1926 marcou um momento de grande instabilidade em Portugal, culminando no golpe militar de 28 de maio, que pôs fim à Primeira República e instaurou a Ditadura Militar. Nos anos seguintes, esse regime abriria caminho para a ascensão de António de Oliveira Salazar, que, primeiro como ministro das Finanças e depois como chefe do governo, consolidaria o Estado Novo em 1933.

Primeiro livro da coleção Pensamento, Arte e Ciência editado pela Casa-Museu Abel Salazar e a U. Porto Press, em junho de 2022


Abel Salazar saiu para Paris a 7 de março de 1934. A sua partida foi noticiada por periódicos como O Primeiro de Janeiro ou A Montanha e notada, sobretudo, entre os estudantes republicanos. Na chegada a Paris instalou-se no Hôtel Royal Bretagne, no nº11 da rue de Gaîté. No seu “auto-exílio” de seis meses entrou em contacto com amigos franceses. Trabalhou no laboratório do Professor Champy. Participou em conversas com personalidades das artes e das ciências e contactou pela primeira vez com a filosofia do Círculo de Viena. Militou em atividades antifascistas. Visitou museus, palácios e exposições, como o Salon de 1934, e as mostras retrospetivas da obra de Daumier. Passeou por bosques, parques e boulevards com “esse companheiro de todos os instantes”, o enigmático F. de P., a quem dedica a obra “Paris em 1934”.


Primeira edição do livro "Paris em 1934"

Este livro testemunha o seu quotidiano e as coisas que o apaixonaram, apesar de não ser um diário. Revela os seus estados de alma e é uma incursão pelos demónios que o atormentam: o sentido da arte e da vida, a crise da Europa e o papel do intelectual na sociedade. Foi inicialmente editado em 1938, reeditado em 1943 e novamente publicado em 2022 pela U.Porto Press. Contudo, antes da sua publicação, entre dezembro de 1934 a setembro de 1935, o autor foi difundindo na imprensa artigos que constaram desta obra. Na revista “Vida Contemporânea” divulgou 7 textos sob o título “Vida artística e literária – Paris em 1934”. E depois da edição do livro, continuou a produzir textos sobre o tema, concretamente 29 artigos, entre maio e janeiro de 1940, no periódico “O Trabalho”. Compõe-se de 38 textos, de desigual extensão e, aparentemente, ordenados de forma cronológica. Abre com uma crónica sobre um espetáculo de bailado na Ópera e encerra com o capítulo “Perplexidade”, onde descreve a paisagem urbana, entre o luxo e a miséria, observada a partir de um comboio.


Para o rés-do-chão do antigo café Rialto, projetado por Artur Vieira de Andrade, Abel Salazar produziu um mural a carvão intitulado a “Síntese da História”. A obra de grandes proporções (5,00 m x 3,30 m) realizada numa técnica de que o artista se socorreu praticamente apenas neste trabalho, e numa encomenda realizada para a Casa de Saúde da Boavista (cinco paisagens do Gerês, na entrada do bloco operatório) simboliza o esforço da humanidade ao longo dos tempos.



O café inaugurado em 1944 fechou portas em 1972. Passou para a propriedade de um banco, mas conservou parte da sua ornamentação original. A pintura mural foi restaurada na viragem do século, depois foi entaipada pela nova empresa arrendatária do espaço térreo do antigo café, e mais tarde devolvida à fruição pública. O mural foi o mote da primeira exposição com curadoria e montagem dos alunos da unidade curricular “Teoria e Prática de Exposições em Museus”, lecionada por Elisa Noronha no 1.º ano do curso em Museologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), em colaboração com a Casa-Museu Abel Salazar (CMAS); inaugurada a 18 de maio, nas comemorações do Dia Internacional dos Museus e ainda no âmbito do encerramento da 1.ª Semana de Museologia da FLUP.



Autorretrato de Abel Salazar personificando-se como Rembrandt, pintado em 1926, ano em que o professor universitário entrou numa longa depressão que o afastou, não só da vida académica, mas também da produção científica, literária e plástica, e do convívio com familiares e amigos. Uma temporada difícil passada, maioritariamente, na Casa de Saúde de S. João de Deus (1928-1931), que o autor descreveu no livro Testamento d ‘hum Morto Vivo sepulto na Casa dos Mortos, em Barcellos.

A obra foi pintada no seguimento da participação numa reunião da Associação de Anatomistas em Liège, viagem na qual contou com a companhia da irmã Dulce e durante a qual aproveitou para visitar Paris, Bruxelas, e Amesterdão, cidade onde contemplou a obra de Rembrandt no Rijksmuseum. Ela representa o busto frontal do artista, que emerge de um fundo escuro, parcialmente iluminado por uma luz de reminiscências barrocas. O rosto tem cuidada carnação. A cabeça está coberta por uma boina de veludo verde esmeralda e no canto da boca surge um cachimbo, à moda flamenga (1ª imagem).



No verso do quadro, em posição invertida (2ª imagem), há uma outra representação figurativa, etiquetas relativas a inventários e exposições e inscrições impressas por Dulce Salazar, sua anterior proprietária.



Este conjunto de ilustração científica (20 figuras) integra um artigo de Abel Salazar (1889-1946) editado em 1946 na “Acta Anatómica, revista internacional nas áreas da Anatomia, Histologia, Embriologia e Citologia, publicada entre 1945 e 1998. O seu autor, pioneiro na utilização do desenho no cruzamento entre ciências e artes, recorre ao desenho microscópico para comunicar os últimos desenvolvimentos obtidos com recurso a um dos seus trabalhos mais revolucionários, do início da carreira científica, produzido no âmbito do Instituto de Histologia e Embriologia da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto – Método Tano-férrico de Abel Salazar. Neste caso, comunicando pelo desenho aquilo que esse método permitiu visualizar num estudo de um tecido biológico, o tecido conjuntivo.



As curiosidades e os saberes sobre as mulheres trabalhadoras na pintura de Abel Salazar na Coleção Gramaxo foram debatidos numa conversa, no passado dia 8 de junho, que contou com a presença de Susana Barros, seguindo o mote da Peça do Mês e seus mistérios.

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