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Alumni - Testemunhos

"A FEP no meu tempo" é um conjunto de entrevistas a diferentes Alumni da Faculdade, com percursos académicos e profissionais diferentes e inspiradores.

Ricardo Fonseca

Ricardo Fonseca (1944, Baião), uma filha e duas netas

  • Ano de entrada – 1963 Serviço Militar na Marinha (1969 a 1972)
  • Primeiro emprego: ITT (1972 a 1975)
  • Administrador da STCP: (1975 a 1990)
  • Vice-Presidente da Televisão de Macau: (1990-1992)
  • Director-Geral da STCP: (1992 a 1996)
  • Presidente da APDL: desde 1996

Como é que era a Faculdade de Economia do Porto no seu tempo?

A Faculdade era um cantinho no sótão da Faculdade de Ciências. Éramos poucos e conhecíamos de nome todos os colegas. As famosas matemáticas e cálculo infinitesimal eram dados, na Faculdade de Letras, em conjunto com os alunos da Faculdade de Ciências e Engenharia. Para os exames era quase obrigatório levar gravata. Os jeans eram raros e as raparigas vestiam formalmente. Os colegas com que menos contactávamos eram os chamados alunos “voluntários”, maioritariamente trabalhadores estudantes que tinham que desenvolver um esforço superior aos restantes alunos para nos acompanhar no curso. A sua presença só era obrigatória nas aulas práticas. Formavam-se grupos que gravitavam muito em torno dos cafés, que a grande maioria frequentava. Para muitos, grande parte do estudo era feito nos cafés. Havia, entre outros, nas imediações da Faculdade, e, para além do “Piolho”, o Estrela e o Avis. Como morava na Rua Faria Guimarães acontecia haver um conjunto de colegas que morava nas imediações, o café que mais frequentava era o Satélite. Tratavam-se de autênticas salas de estudo. Em muitos cafés havia uma zonademarcada em que “era proibido estudar”. É que, com a despesa de um simples café, alguns estudantes ocupavam uma mesa o dia inteiro.

Passados estes anos o que é que ainda recorda com alguma satisfação desse tempos de faculdade?

Muito especialmente a camaradagem e os dias “meio loucos” das queimas das fitas. Havia então muita imaginação, nomeadamente nas piadas que desfilavam no cortejo. Alguns carros alegóricos tinham uma concepção muito criativa e sempre com uma nota de humor que era apreciada por quem assistia ao cortejo. Como exemplo do resultado da camaradagem que então se vivia posso citar o facto de o chamado “grupo do Satélite” ir anualmente passar as férias da Páscoa a uma casa da minha família em Baião. Embora levássemos alguns livros para estudar, que me lembre, nunca chegaram a sair das malas. O Sérgio Godinho, no primeiro ano, e o José Fernando (Madureira Pinto) faziam parte desse grupo.

E os momentos mais negativos?

Destaco o meu chumbo a matemáticas gerais. Nunca se sabia ao certo quando saíam as notas das escritas. Um dia recebi um telefonema de um colega a avisar-me que tinham saído as notas da escrita de matemáticas gerais e que iria à oral no dia seguinte. Do conjunto de alunos de economia e de engenharia creio que só eram 5 os que não tinham chumbado na escrita.Ao fim de poucos minutos de exame oral, o professor (Fernandes de Sá) pediu-me para demonstrar o “Axioma de Arquimedes”. Convenci-me que tinha tido uma branca. Não me ocorria a forma da demonstração e, olhando para a assistência, viam também eles se interrogavam. Depois de sofrer uns minutos, que me pareceram uma eternidade, disse o examinador: “Oh! Senhor Aluno; não lhe ensinaram no 3º ano do liceu que os axiomas não têm demonstração? A sua oral terminou”!Talvez com remorsos da maldade, em segunda época deu-me 16 valores.

Qual a identidade da FEP? A sua especificidade, os atributos que a distinguem. Afinal o que é a Faculdade de Economia do Porto?

A Faculdade de Economia foi a casa que me deu a bagagem de conhecimentos que me permitiu, com relativa facilidade, encetar a carreira profissional. Hoje reconheço melhor ter sido um alicerce sólido.

Depois destes anos de experiência profissional o que é que destaca na sua formação recebida? Algo que possa dizer sem isso não tinha chegado onde cheguei.

Não é fácil destacar. Mas presto agora justiça a cadeiras na altura por nós, ou pelo menos pela maioria, consideradas de muito pouca utilidade e que hoje reconheço serem muito importantes para a formação de alunos de um curso como o de economia. Refiro-me às matemáticas. Haveria algum exagero no seu desenvolvimento (para quê saber calcular um integral triplo?) mas foram um contributo importante para modelar o raciocínio.

Que conselhos é que daria para as novas gerações de economistas decorrentes da sua experiência profissional?

A realidade hoje é bem diferente daquela que vivi quando comecei a trabalhar. Na altura, quando procurávamos emprego, de uma maneira geral podíamo-nos dar ao luxo de seleccionar uma entre várias alternativas que se nos colocavam. Só procurei o meu primeiro emprego. Depois a carreira foi sendo feita na sequência de convites/desafios que me foram colocados. Há no entanto um princípio, válido na altura e que hoje ainda defendo: os primeiros passos profissionais devem associar-se a uma certa estabilidade que permita consolidar os conhecimentos adquiridos na faculdade. Uma grande ansiedade e rotação profissional elevada são altamente perniciosas. A experiência profissional que adquiri na ITT, particularmente na condição de responsável pela Auditoria Interna do grupo Oliva/Rabor, foi fundamental para consolidar a teoria que trazia da faculdade.

Entrevistado por Pedro Quelhas Brito

OFF the Record:

Em contraste com a postura reservada e discreta do actual Dr. Ricardo Fonseca, o jovem Ricardo sabia divertir-se bem. Para a sua primeira queima das fitas construiu uma máquina fotográfica, tipo “la-minute” dentro da qual introduziu uma bisnaga (com água aromatizada). Claro que no cortejo era solicitado para tirar fotografias à assistência. Só que, em lugar do passarinho saía uma bisnagadela, para gáudio de todos quantos tinham assistido ao pedido para ser fotografado.
Foi o ano em que o melhor filme do ano foi o “Fellini 8 _. Nas costas o “fotógrafo” tinha um letreiro que dizia: “Melhor ainda – S.......r 43 _ ”. Uma alusão directa a Salazar que lhe poderia ter ficado cara.

José Roquette

José Roquette (1936, Lisboa)
Margarida e José Roquette, nas antigas instalações da FEP

  • 6 filhos, 16 netos
  • Ano de entrada: 1953
  • Primeiro emprego: Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa
  • Empresário

Quem é o José Roquette?

Nesta altura alguém que teve um percurso de vida que deve bastante à Faculdade de Economia. Fiz os 11 primeiros anos antes de chegar à Faculdade no Colégio Brotero, na Foz do Douro. Sou o único de onze irmãos que nasceu em Lisboa. Os meus pais vieram a Lisboa passar o Verão, como habitualmente, com a família do meu Pai, que é toda de Lisboa, embora profissionalmente ele estivesse ligado ao Porto. A admissão à Faculdade ocorreu aos 16 anos de idade mas como as aulas só arrancaram em Novembro eu já tinha 17 anos, num curso cuja média etária era superior a 30 anos visto que muitos licenciados pelo Instituto Comercial aguardavam a abertura da Faculdade, tendo já as suas vidas profissionais. Eu era o “benjamim” do curso e sendo o regime da Faculdade idêntico ao das Faculdades de Direito não foram nada fáceis os primeiros anos do curso.

Como é que era a FEP.UP nessa altura?

Uma faculdade que se estava a instalar tinha problemas vários a começar pelas próprias instalações físicas no último andar da Faculdade de Ciências. Tudo o que era formação pelo lado das matemáticas era feito na Faculdade de Ciências o que provocava alguma turbulência. Em todo o caso, o leque de Professores que foi possível juntar constituiu um dos activos mais importantes. Devido às disponibilidades financeiras, mas também pelas relações pessoais, foi possível conseguir que alguns grandes nomes da economia europeia daquele tempo lecionassem na Faculdade de Economia, por exemplo, Raymond Barre e Jacques Rueff, o que deu um contacto fora do normal em relação a outras Faculdades em Portugal. O primeiro ano foi de altíssima selecção. De mais de 200 alunos passaram pouco mais de 30 para o segundo ano. Éramos poucos. Mais de metade dos colegas eram profissionais em contacto com a vida activa. Eu lembro-me da dificuldade que tive quando cheguei ao 30 ano sem nunca ter ouvido falar em débito e crédito, pois vinha da formação liceal. Mas tive a sorte do apoio de um grande homem e um grande professor que foi José António Sarmento que infelizmente faleceu em 1960 e de quem o Manuel Baganha foi continuador. Isso fez com que tivesse começado a minha actividade profissional pela contabilidade sem nenhum problema e chegar à direcção da contabilidade do Banco Espírito Santo. Depois daí é que passei para a direcção comercial, até que, em 11 de Março de 1975, na altura das nacionalizações, era responsável executivo pelo Banco no País. Com 24 anos chefiava a contabilidade, que naquela altura era todo o “back-office” e controlo da Instituição. Quando passei para o sector comercial do banco perguntei a mim mesmo quando é que descobri a vocação para assumir o risco como realização profissional em termos de empresário.

Quando é que começou a vida de empresário?

Em 1961, quando fiz uma sociedade com um amigo – o Dr. João Flores que instalou em Portugal o Pão-de-Açucar. Fizemos uma sociedade por quotas para vender em Lisboa equipamento que o meu pai fabricava no Porto. Foi a minha primeira experiência. Depois no Grupo Espírito Santo aprendi o exercício e o sentido de risco da decisão, pois quando se vai subindo, as responsabilidades são maiores...

Nestes 50 anos após a sua entrada na Faculdade de Economia e quando olha para trás o que o faz sorrir?

A partir do 2º ano passámos a ser poucos pelo que havia um sentido colectivo de realização que era extraordinariamente positivo e que marcou bastante os primeiros anos da minha vida profissional. Organizavam-se diferentes grupos alargados para desfazer dúvidas e havia muita disponibilidade dos professores apesar de alguns viverem em Coimbra. Foi o caso dos Prof. Seabra e Almeida Garrett. Isso criou um clima e sentido de esforço colectivo e de trabalho em equipa. O José António Sarmento era, nessa vertente, excepcional criando equipas de 4 e 5 com um projecto específico para cada grupo. Isso contribuiu muito para criar um ambiente de trabalho de grande qualidade.

Lembro-me também de coisas engraçadas. Éramos poucos alunos e tínhamos como Faculdade de nos apresentar em termos desportivos. Eu jogava tudo: futebol, andebol, pingpong, ténis,... (risos) pois formar equipas era difícil.

E alguma situação menos boa?

Foi com algum desgosto que vi mais tarde aparecerem cisões, e muitos se desentenderam e afastaram talvez por razões políticas.

Qual é a identidade da FEP? A sua especificidade? O que é único no período 53-58?

A participação das cadeiras de cada ano era marcada pela formação jurídica que tinha um peso forte. Entre essa formação e a componente contabilística havia aquele universo das estatísticas e econometrias. Uma das coisas que penso ficaram comigo toda a vida foi a capacidade dialéctica e o estilo de aproximação aos problemas que a formação jurídica dá, bem como o rigor da matemática para quem tem alguma vocação. A demonstração pela via retórica de formação jurídica, da lei da utilidade decrescente que a matemática faz com derivadas é disso um exemplo. A Economia era dada por pessoas que não tinham formação matemática como o Prof. Seabra e o Prof. Almeida Garrett o que ultrapassavam pela via do raciocínio jurídico. Mas isso deu-nos uma capacidade para analisar os problemas concretos bastante grandes embora, como acontecia em Portugal naquela época, a Faculdade tivesse dificuldade em transmitir conhecimento específico, concreto e objectivo. Quando saí de lá para o Banco Espírito Santo, que era ali na Av. dos Aliados, é que verdadeiramente começou a minha vida profissional.

O resto eram ferramentas que podia utilizar ou não consoante a minha capacidade.

Com a minha pré-disposição para as matemáticas eu usava uma régua de cálculo que só era usada pelos meus colegas de engenharia. Mas como as réguas de cálculo tinham uma escala exponencial, o que permitia o cálculo de juros compostos. Isso ajudou-me mais tarde, em termos informáticos, com o primeiro computador que se instalou em Portugal e foi no Banco Espírito Santo. Estávamos em 1963. Era o UNIVAC 1005, tinha apenas 32K de memória. Era uma coisa extraordinária, já lia fita perfurada e fazia o controlo com a perfuração dos cartões que era o input então usado. Controlava saldos, movimentos de contas, cálculo de juros e emissão de extratos através de uma impressora. A primeira folha de cálculo que apareceu (em 1962) era o Visicalc, comercializado pela Visicorp mais tarde comprada pela Lótus. Já nessa altura eu tinha feito um programa para a HP numa maquineta pequena que eles tinham HP41cv e que permitia carregar nuns cartões magnéticos um software a que chamei “cash-flow analysis” e que foi dos programas mais vendidos. Fiz vários outros programas para a HP.

Que conselhos é que dá às novas gerações de alunos da FEP?

A primeira coisa é que acreditem que a formação universitária é importante mas não é tudo. Produz ferramentas e uma indiscutível capacidade de enfrentar problemas tão complexos como os que hoje a vida nos apresenta. Não há escolas perfeitas. Eu e outros empresários em Portugal, gostaríamos de ver uma classe empresarial mais nova com capacidade de criar, de fazer coisas, aceitar desafios, e correr riscos. Eu gostaria que fossem mais frequentes as vocações empresariais de que o País precisa desesperadamente. O empresário distingue-se do gestor, porque normalmente arrisca o que é seu. A minha convicção é que Portugal, como País, como projecto, como cultura só terá futuro se a iniciativa privada assumir a responsabilidade por isso mesmo. O Estado é mau gestor, não é eficaz, tem um conjunto de tarefas inalienáveis como o que se refere à soberania, questões relativas a segurança pessoal e colectiva justiça etc, mas cada vez mais em Economia Global é indispensável que os empresários assumam a responsabilidade de pensarem o futuro do país. Trata-se de construír para as gerações futuras, envolvendo projectos de longo-prazo. Seria também bom que a classe política seguisse esse mesmo padrão e que se preocupasse com os Portugueses que vão nascer, porque quem se preocupa com as gerações futuras tem sentido de Estado indispensável para nos continuarmos a afirmar como Povo e Nação nestes dias tão difíceis.

Entrevistado por Prof. Pedro Quelhas Brito

Odete Patrício

Odete Patrício (1955, Paredes)

  • 1 filho
  • Ano de entrada: 1972
  • Primeiro emprego: Bial
  • Directora Geral da Fundação de Serralves

Quem é a Odete Patrício?

Nasci em Paredes. Estudei no Liceu de Penafiel, pois na altura não havia liceu em Paredes. Sou filha única, tinha as atenções todas concentradas em mim, todas as expectativas, até porque nasci rapariga e o meu pai queria um rapaz. A minha educação foi marcada por esse desejo paterno. O meu pai sempre projetou em mim muitas ambições e nesse aspeto foi muito bom porque me obrigou a ser muito exigente comigo própria, o que eu sou, de facto.A minha paixão era psicologia, mas o meu pai considerava que Economia representava as melhores saídas profissionais. Portanto podia ser qualquer coisa desde que fosse Economia. Sou Economista não por vocação mas por imposição.

Depois veio para o Porto?

Vim para o Porto e os meus pais vieram também. Eu entrei para a Faculdade em 72. Tinha os meus 17 anos. Eu costumo dizer que o início foi muito duro porque eu era muito nova, vim para uma Faculdade onde não conhecia ninguém porque vinha da província. Os alunos do Porto já tinham os seus colegas ou do “Rainha!” ou do “Carolina”, ou do “D. Manuel”, mas eu aterrei tipo “alien” numa Faculdade onde não conhecia praticamente ninguém, completamente desintegrada, com um ambiente a que eu não estava habituada. O liceu de Penafiel para a época era um liceu de vanguarda porque era misto e tinha até um ambiente bastante informal, com uma grande liberdade de movimentos dos alunos. Dávamo-nos todos muito bem, brincávamos muito e, de repente, cair ali nas águas furtadas da Praça dos Leões, com aqueles professores que, na generalidade, eram muito mais velhos do que nós, foi uma experiência pouco agradável.Havia muito poucos Assistentes. Nessa época, que me lembre, havia o Daniel Bessa que era Assistente e era mais jovem, relativamente mais próximo de nós em idade, e depois estava lá o Seabra, o Pinto Ramos, o Pedroso, o Baganha… Portanto toda aquela geração dos velhos professores da Faculdade com um estilo muito catedrático, muito autoritário, muito distante de nós e lembro-me que tive, de facto, um choque enorme porque não estava habituada. Apesar de tudo, vinha habituada a um sistema de muito maior proximidade e, para além do ensino de Faculdade ser muito diferente do liceu, apanhei com aquelas pessoas todas, com outros estilos e doutras gerações…No início, senti-me realmente muito perdida, o que me valeu foi antes de entrar na Faculdade ter começado a namorar com um rapaz de engenharia e realmente o namorado foi fundamental para aguentar aqueles impactos todos porque senão ter-me-ia sentido muito mal.Felizmente já namorava, andava muito ali pelo Café Universidade, pelo “Piolho”, estudava muito ali, na altura estudávamos muito nos cafés, eram o nosso local de estudo.Politicamente já era uma pessoa com bastante consciência. Lembro-me que ainda andei a correr com a polícia atrás de nós e nós a fugirmos, e das assembleias gerais que fazíamos nos “Leões” e que eram clandestinas, obviamente. Portanto, apanhei uma época em que tudo foi surpresa, muita diferença.Em conclusão, a integração na Faculdade foi difícil.

Entretanto veio o 25 de Abril...

Tinha 18 anos… e apanhei o 25 de Abril numa idade fantástica. Não tínhamos nada a perder, tínhamos tudo a ganhar e eu de facto na altura era uma pessoa com ideias muito à esquerda e vivi o 25 de Abril de uma forma muito intensa e muito entusiasmada.

Antes do 25 de Abril foi o choque que referi, com um sistema rígido e autoritário. Fiz as disciplinas sem grande entusiasmo, eram dadas de forma muito apressada e não sentíamos que tivessem muito aderência à realidade. Eu também não tinha grandes expectativas porque não escolhi Economia por vocação.

De qualquer forma sentia-me algo estranha. É óbvio que com a educação que tinha tido não estava habituada a contestar. Era a menina bem comportada e fazia o que tinha que fazer e não questionava. Depois apanho o período do 25 de Abril. Estava-me a preparar para fazer os exames do 2º ano. Foi um período muito interessante sob o ponto de vista pessoal. Vivi tudo com muita intensidade. Andei na rua. Vivia ao pé da antiga PIDE. Da janela da minha casa via os chaimites a passar. Foi uma experiência muito engraçada.

Esses anos, principalmente o ano de 74/75, foram anos academicamente muito turbulentos, em que se fizeram os saneamentos de quase todos os professores. Daqueles que mais me recordo, penso que ficou só o Cadilhe. O Pedroso, o Seabra, o Baganha, os que eu conhecia melhor… todos eles saíram.

Depois aquele ano de 74/75 coincidiu com a nossa mudança de instalações. Em Março houve o incêndio nas águas furtadas da Faculdade de Ciências, onde estava a nossa Faculdade. Andámos a ter as aulas dispersas por outras faculdades. Entretanto vem o 25 de Abril e a Faculdade nova estava pronta.

No início do meu 3º ano fomos inaugurar o novo edifício, em Paranhos. Com o 25 de Abril, nenhuma faculdade da UP fez exames. Foi tudo “corrido” a passagens administrativas. Nesse ano não fizemos exame a nenhuma cadeira. Foi um ano de borla, em que não fomos sujeitos à avaliação. Foi um período muito turbulento, em que os próprios alunos, com alguns Assistentes, elaboraram vários planos de curso alternativos. Daí resultou que o curso, a partir de Outubro de 74, se tenha alterado completamente. Passou a ter uma enorme componente de cadeiras de cariz político, teoria económica marxista.

Lembro-me que no meu 3º ano de curso, não fiz uma única cadeira técnica! Apesar do meu entusiasmo pela política, nunca perdi de vista - sou muito pragmática - que daí a 3 anos tinha que ter um modo de vida e não era com a teoria marxista ou economia marxista que eu atingiria esse objectivo. Eu percebi que se saísse do curso apenas com essas cadeiras, pouco saberia fazer na prática. Eu tinha nitidamente vocação para trabalhar numa empresa, sempre gostei muito da área da microeconomia. Apesar dos meus 18, 19 anos, tive alguma lucidez, na escolha das cadeiras e fui mais para as técnicas. Porquê? Vou explicar um pouco o processo. Durante todos aqueles meses de Verão de 74 realizaram-se reuniões incessantes para se fazer o novo plano de curso, com os Assistentes que restaram dos saneamentos e alunos. O curso passou a ter um núcleo de cadeiras obrigatórias mínimo – 2 ou 3 cadeiras por ano – e as restantes eram optativas. Era um curso à la carte. Éramos trezentos e tal alunos, cada qual escolheu o que lhe apeteceu. Escolhi sempre as contabilidades todas e as cadeiras mais ligadas à gestão. Mas houve muita gente que se formou na mesma altura que eu e não fez uma contabilidade, nem a geral nem a analítica. Porque era possível. O plano de curso era tão aberto que nos era possível fazer isso. No 5º ano só tínhamos uma cadeira obrigatória, que era “Planeamento”. O resto era à nossa escolha. E nos outros anos já não me lembro das obrigatórias. Lembro-me que “Estatística” era, mas pouco mais. Havia um tronco comum de cadeiras obrigatórias, que aliás diminuíam entre o 3º e o 5º ano e depois era tudo optativas. De forma que houve pessoas que têm o título de Economista e que não sabem contabilidade ou gestão ou que entretanto aprenderam… Esses 3 anos foram muito interessantes. Vivia-se um clima de grande paixão política. A Faculdade era muito de esquerda, aliás como eram todas as faculdades da altura, mas a nossa e a de Engenharia eram as duas da UP francamente de esquerda, a oposição eram entre os grupos de extrema esquerda e a UEC. Foram tempos muito engraçados. E colegas conhecidos? Muitos. Os mais conhecidos. A Elisa (Ferreira) é do meu curso, o actual Ministro das Finanças era Assistente na nossa altura, o actual Presidente da Faculdade, o José Costa, e muitos outros que seria deselegante estar a elencar porque deixaria outros de fora…

Eu tinha um grupinho. Era bastante sociável, embora tivesse tido alguma dificuldade de integração. Aliás esse grupo era praticamente constituído por raparigas e ainda hoje mantenho essas amizades, ainda hoje vamos jantar juntas, mas nenhuma delas é mediática. O que gostou mais no seu curso? O ser muito polivalente. Poderíamos optar por várias soluções diferentes. Por exemplo, a Elisa desde o início optou pelas cadeiras de macroeconomia e eu liguei-me mais à gestão. A possibilidade de escolha que tínhamos na época permitia-nos escolher o curso que queríamos tirar desde o início. Esse aspecto permitia ao economista, quando saía da faculdade, uma grande variedade de opções profissionais. Foi disto que eu mais gostei. Também achei piada a termos estreado uma faculdade, um edifício novo, com um ambiente muito bom entre colegas, desde que houvesse homogeneidade de tendências políticas. Vivia-se muito na Faculdade à volta de núcleos com tendências políticas similares. Agora penso que a política nada conta… Fiz boas amizades. Muito boas relações humanas. Não havia competição entre colegas. Era um clima de entreajuda. Divertíamo-nos mesmo dentro da Faculdade havia um ambiente muito bom. O que gostou menos no seu curso? O que não gostei foi o facto de termos matérias muito pesadas que seriam muito úteis, por exemplo, para os macroeconomistas, mas que para os alunos vocacionados para trabalhar numa empresa não tinham qualquer utilidade. Péssimo era a falta de apoio pedagógico, ou seja, nessa altura dava-se muito pouco material de apoio. Algumas cadeiras eram feitas apenas com os apontamentos das aulas. Era inadmissível. Mais tarde, já na minha vida profissional, é que me fui habituando a procurar obras de referência. Acho que a relação entre alunos e professores pecava por uma distância enorme… nós tínhamos medo de abrir a boca nas aulas. Sobretudo as raparigas. Era uma sociedade muito fechada. Nos exames muitas vezes os Prof’s perguntavam às raparigas o que estavam ali a fazer e porque não estavam em casa a coser meias! Depois do 25 de Abril, foram tempos muito turbulentos. Detestei o sistema de classificações por a, b e c. Pelo menos num dos anos, eu que era boa aluna e tinha a mania das notas, passei para bem disciplinas em que tinha tido 16 e 17 valores. Fiquei furiosa. Não havia vida académica, nem actividades extracurriculares, não havia apoio praticamente nenhum: só passou a haver cantina no último ano do meu curso. Não havia incentivo à investigação, era um ensino totalmente medieval. Os alunos limitavam-se a ir às aulas, ouviam os professores, tomavam imensas notas. Passávamos uma aula inteira a escrever. Mas, apesar de tudo, eu aprendi o que precisava de aprender e a qualidade do ensino nas aulas foi sempre muito boa.

Da sua experiência que conselhos para os recém-licenciados?

Cada qual tem que definir o seu caminho. Considero fundamental ter uma ideia para onde se quer ir em termos de carreira: mercado de capitais, gestão, marketing… É essencial ter uma tendência definida e segui-la. Algo com que não concordo é sair da faculdade e fazer imediatamente um mestrado ou pós-graduação. A não ser que queira fazer carreira académica, continuar a estudar… mas se tem por opção trabalhar, tem que ingressar no mercado de trabalho, aprender na prática e depois sim, voltar a estudar. Quando comecei a trabalhar senti que sabia muito pouco. Era tudo muito novo, muito estranho.
Quando comecei a trabalhar fui para os Laboratórios Bial, cujo Presidente tinha acabado também de entrar, muito novo.
Lembro-me da primeira vez que olhei para as contas, a perplexidade imensa que tive ao ver um balancete, apesar de ter feito as contabilidades todas, apesar de ser uma área de que eu gostava imenso.
Foi um impacto muito grande, principalmente por estar sozinha, não ter colegas mais velhos, mais experientes que me ajudassem. Tive que errar e aprender à minha custa. Quando fui para o BPA foi completamente diferente, tinha colegas mais velhos e aí aprendi imenso. Aos meus jovens colegas o que posso dizer… Muita focalização no objectivo que se pretende atingir. Experiência profissional antes de continuar a formação, depois de estar no terreno e de se saber para onde se quer ir. Começar a trabalhar inserido numa equipa, para aprender mais depressa e com menos erros. Uma das coisas boas do nosso curso é a diversidade de saídas profissionais e funções que se podem desempenhar.

Entrevistada por Pedro Quelhas Brito

“A possibilidade de escolha que tínhamos na época permitia-nos escolher o curso que queríamos tirar desde o início. Esse aspecto permitia ao economista, quando saía da faculdade, uma grande variedade de opções profissionais. Foi disto que eu mais gostei.”

António de Almeida

António de Almeida (Celorico da Beira, 1937)

  • 2 filhos e 3 netos
  • Ano de entrada: 1957
  • Presidente do Conselho Geral e Supervisão da EDP

Primeiro quero saber quem é o António de Almeida.

É um celoricense que nasceu durante a guerra civil de Espanha, numa família pobre. No início da segunda guerra mundial foi levado para Moçambique, até regressar a Portugal em 54 para fazer o 6º, 7º ano e tirar economia. Voltou a Moçambique e fez a sua vida lá, casou, teve filhos. A revolução apanhou-o já numa fase lançada da vida profissional e viajou até Lisboa como um estranho porque nunca tinha trabalhado em Portugal.

Como era a FEP naquele tempo?

Eu entrei em 57. Era um sótão. Abandonado na Praça dos Leões com poucos alunos, a camaradagem era muito grande. A figura tutelar do professor Fernando Seabra marcava muito a faculdade. O Direito era um pesadelo. Sem autonomia nas matemáticas nem no cálculo, tínhamos de as fazer na Faculdade de Ciências. Como anedótico, o equipamento mais adiantado que tínhamos era uma máquina facit que quando dividia tocava uma campainha. Achávamos piada. Sofremos a conturbação política vivida na altura, tive colegas que foram presos pela PIDE, depois do movimento de Humberto Delgado. Apanhámos o início da convulsão colonial. Foi uma faculdade de grande respeito relativamente aos professores e dos professores relativamente a nós. Com dificuldades de vida pessoal, nós comíamos no Piolho, nuns sítios denominados “restaurantes”. Comíamos muito mal. Passávamos pelo centro universitário e fazíamos um suplemento alimentar com um bocado de queijo e marmelada. Vivíamos em quartos arrendados, com mais 1 ou 2 colegas num quarto, numa casa muito velha. Não tínhamos aquecimento nas casas. Depois apareceram os lares de estudantes que eram muito aceitáveis.

E os colegas na altura que sejam pessoas agora conhecidas?

Os meus grandes colegas foram o Valente de Almeida, o Fernando Maciel, o David Ferreira da Silva, o Pinto Ribeiro, o Mota Freitas e outros que a referir tornariam a lista muito extensa.

O que é que gostou mais da experiência, da vivência como estudante da Faculdade de Economia?

Fui criado em África num ambiente muito fechado. O meu pai era operário. Nós não tínhamos dinheiro para jornais e livros e eu fui sempre um aluno com dificuldades. Devo muito à Faculdade. Se a minha carreira foi aquilo que foi deve-se ao facto de eu me ter libertado e me ter descoberto a mim próprio, o que me abriu o gosto pela investigação e pela procura de novas soluções. Procurei
sempre não ser um homem realizado com a solução mais cómoda. Alguns professores que tivemos sempre nos estimularam a procurarmos mais. E eu consegui fazer-me como profissional graças aos mestres que tive e a pessoas de grande categoria com quem trabalhei. O que me recordo com grande saudade, porque hoje não vejo essa prática com tanta frequência… Nós estávamos sempre a discutir, a trocar ideias e isso deu-nos uma capacidade dialéctica que me ajudou tremendamente na vida. A maioria dos estudantes naquela altura era muito esclarecida politicamente. De uma maneira geral, eram poucos os alunos abertamente pró-regime.

E o que menos gostou?

Uma formação excessivamente teórica. Não era um curso que tivesse uma grande componente de gestão, tinha uma grande componente de macroeconomia. Quando saí da faculdade, a sensação que senti foi a de estar completamente impreparado para trabalhar imediatamente. Acabei por descobrir mais tarde que tinha recebido um valioso património, que me ajudou a recuperar esse atraso.
Quando comecei a trabalhar na actividade privada em 1965, tive que fazer toda uma reciclagem na minha formação. O atraso que trouxera profissionalmente foi rapidamente recuperado porque eu tinha outras bases. Se calhar se tivesse tido depois da faculdade uma formação profissional, técnica e prática, sentiria a falta dos alicerces básicos para o pensamento.

E agora que conselhos daria às novas gerações que estão neste momento a entrar no mercado. O que é que acha que eles deviam tomar em atenção?

A matemática é essencial, os grandes fundamentos da Economia, a Sociologia. O economista não pode ser apenas um técnico conhecedor de fórmulas matemáticas e de racios. Tem de perceber o que se passa na sociedade, na política. A nossa actividade tem a ver com o ser humano, com o funcionamento dos grupos e das sociedades, dos seus anseios, dos seus conflitos, das suas tensões. O domínio de
línguas, pois quem não dominar pelo menos o inglês não consegue sobreviver no mundo actual. Uma última recomendação: não tirem MBAs sem trabalharem primeiro. Vão trabalhar, de preferência numa empresa em dificuldade. Se forem admitidos logo em bancos, na EDP, na PT ou na GALP vão ter bons ordenados, bons automóveis, mas vão viver na rotina e correm o risco de morrer na rotina. A
maneira de aprender a vida é perceber o que são as dificuldades dos trabalhadores, dos gestores, dos fornecedores, como se negoceia com a banca, como se negoceia com os sindicatos. Quando tiram o curso, muitos alunos vão logo de seguida tirar o MBA, dar aulas e depois um doutoramento. Escrevem uns artigos artigo engraçados, fazem uns papers muito profundos, mas não estão preparados para este mundo de mudança, de confrontação, do jogo de interesses e de surpresas nem sempre agradáveis. Tão depressa temos uma economia a crescer, como a cair de repente, como temos empresas lucrativas que poucos anos depois estão quase na bancarrota. Figurativamente, atrevo-me a dizer que deveria sair um decreto, obrigando os licenciados em economia e gestão a terem que fazer um estágio em empresas em dificuldade (até deviam ser subsidiados). Ficariam a saber o que custa a vida de alguns empresários, trabalhadores e fornecedores, mas representaria mais do que alguns anos de faculdade.

Entrevistada realizada por Pedro Quelhas Brito

Alípio Dias

Alípio Dias (Porto, 1943)

  • 2 filhos
  • Ano de entrada na FEP: 1960
  • Vogal do Conselho de Administração Executivo do Millenium BCP

Dr. Alípio Dias, vamos viajar no tempo e agora não me interessa o Dr. Alípio Dias, interessa o Alípio, o jovem de 17 anos.

É muito simples. O Alípio era um pouco o menino do papá e da mamã, era o filho mais velho. Fui apaparicado pelos meus pais. Eles teriam gostado que, no quinto ano do liceu, tivesse optado pela medicina ou pela agronomia, enfim, as coisas que os meus pais queriam… Eu gostava bastante de Matemática e de Química. No Desenho à vista, tinha alguma dificuldade. Foi então que decidi. Vou para Economia! Estava no quinto ano, a matrícula era a alínea G e o meu pai, quando cheguei a casa à hora do almoço, pergunta-me o que escolhi… “Já tínhamos falado nisso. Isso é curso?”. Diz-me ele. Só lhe respondi “É, de certeza. A Faculdade integra a Universidade do Porto.” Bom, e assim foi. Fiz o Liceu no Colégio S. João de Deus, na Rua de Santa Catarina, tive bons professores e os apontamentos das aulas eram muito bons. Gosto realmente muito de estudar e gostava de colaborar com os colegas e foi assim que entrei na Universidade, em 1960. Havia uma elevada “mortalidade”, nas Matemáticas, na Economia I, nas Finanças e na Economia II; depois, no terceiro ano, Estatística, Economia III, eram cadeiras que de facto davam muito trabalho, mas eram aliciantes e de grande utilidade.

Como é que era a Faculdade de Economia naquela altura? O ambiente, os alunos?

Nos Leões era muito bom. Era muito agradável. Mas repare, eu era mais ou menos um estudante profissional, porque ia às aulas, não faltava a nenhuma, nem práticas nem teóricas. Para mim era uma coisa muito importante. Procurava comprar as “sebentas” de Lisboa. Tinha uns amigos ligados a Lisboa e, normalmente no começo do ano lectivo, ia lá e comprava as Sebentas. Só havia escola de “Economia” no Porto e Lisboa. Era “profissional” e utilizava muito a casa paterna, todavia havia um dia por semana, que era às quintas-feiras, em que tinha um dia mais sobrecarregado de aulas e almoçava no Centro Universitário, ali em frente ao Hospital Santo António; de resto levava uma vida muito pacata. Um cinema de vez em quando, férias em Francelos e de quando em vez, em Inglaterra em casa de família mas, normalmente levava uma vida normal. Gosto muito de ler e portanto não tinha muito tempo para passar a vida no Estrela ou no “Piolho”... Gostava muito do Orfeão e o Maestro Afonso Valentim tinha sido meu professor de canto coral, no “João de Deus” durante sete anos. Na altura falei ao maestro, perguntei-lhe se havia muitos ensaios, deslocações, etc. Gostas disso?”. Apenas lhe respondi: “Assim, não tenho tempo, quero estar bem preparado para os exames. De facto, a Faculdade era muito “apertada” em notas. No quinto ano lá “aparecia” um dezassete ou um dezoito.

O que gostou mais da FEP?

Eu gostava de tudo. Era verdade… Gostava das aulas, gostava do ambiente e procurava de facto colaborar, num caso ou noutro até com alguma ingenuidade. O convívio com os professores, com os colegas agradava-me muito para além de ter a sorte de ter uma casa, nas Antas, que tinha - e devo muito aos meus pais - uma sala que eu chamava “sala de estudo” com biblioteca e uma entrada para o jardim. Era uma casa de quatro frentes e os colegas iam lá para casa, tínhamos condições para debater ali temas e questões muito variadas resultando uma grande amizade.

O que é que gostou menos? Há sempre um senão…

Nada.

Que conselhos é que daria agora aos novos jovens que saem, baseado naquilo que viveu?

Que conselhos que eu dava? Os conselhos que dou aos meus filhos. Primeiro têm que gostar do que fazem, têm que se apaixonar pelo que fazem. Têm que estar disponíveis para fazerem o que fazem, têm que continuar a estudar. Quando acabarem os cursos têm que continuar a estudar, têm que ter um sentido de mais responsabilidade e têm que lutar pelos seus objectivos, de uma forma sadia. Eu penso que, se uma pessoa está preparada, se gosta do que faz, se gosta de estudar e se está disponível para isso, tem um pouco o sentido do serviço à comunidade. Tem o sentido da responsabilidade do que está a fazer, e as oportunidades acabarão penso que um jovem destes, tem futuro. Às vezes há que ter um pouco de paciência. A nossa geração tinha algo favorável. Dava para prever. O 25 de Abril decapitou muitos profissionais que estavam à nossa frente, e daí que aos 29/30 anos tivesse o caminho aberto... Aos 33 anos entrei no Governo do Doutor Mota Pinto para Secretário de Estado das Finanças com o Doutor Jacinto Gomes. Anteriormente era Assistente na FEP e comecei a escrever a tese de doutoramento sobre os Orçamentos plurianuais. O pensamento era simples: se o PIDDAC é plurianual, nós devíamos ter um orçamento plurianual, que estivesse de acordo com o mesmo. Simultaneamente, passei a trabalhar no Banco Borges & Irmão, com o Dr. Pires de Matos, que considero um colega (e um mestre) verdadeiramente excepcional.

Entrevista realizada por Pedro Quelhas Brito

Ilda Figueiredo

Ilda Figueiredo (Oliveira do Bairro, Aveiro, 1948)

  • 3 filhos
  • Ano de entrada na FEP: 1967
  • Deputada do Parlamento Europeu

Quem é a Ilda Figueiredo?

Fui para a UP, para a FEP, no ano lectivo de 1967/68. Na altura, vivia em Aveiro. Era filha de pais camponeses que, nessa época, não tinham dinheiro para me pagar uma deslocação para o Porto, para poder estudar na FEP. Os meus pais consideraram, por isso, que eu deveria ser professora primária. Em Aveiro havia uma escola normal, assim se dizia na época, e portanto foi o curso que obtive, aos 17 anos. Mas sempre com a ideia clara que queria ir para a FEP. Perseguindo esse objectivo, estudei sozinha o 6° e 7° anos do liceu. Enquanto estava no magistério primário estudava, simultaneamente, para professora primária e para completar o liceu. Depois fui trabalhar como professora, dei aulas durante um ano, e fiz a matemática. Em 1967/68, com 18 anos, entrei na FEP. Nessa mesma altura casei, precisamente no dia em que fiz 19 anos, a 30 de Outubro. Durante um ano fazia as viagens diárias de Aveiro para o Porto, de comboio. Até que eu e o meu marido decidimos vir viver para Vila Nova de Gaia. Comecei a dar aulas como professora primária, em Vila Nova de Gaia, simultaneamente com os estudos na Faculdade como aluna voluntária. Nessa época, ser aluna voluntária era muito complicado. Estamos a falar dos anos de 1968 e seguintes. Este estatuto significava ter que fazer frequências trimestrais a todas as disciplinas, passar em todas elas, para poder fazer os exames. Isto não acontecia com os alunos ordinários (os normais). Tínhamos um estatuto muito difícil. Éramos estudantes trabalhadores mas esse estatuto, na realidade, não existia. Éramos obrigados a frequentar as aulas práticas. Se faltássemos, reprovávamos. O estatuto era muito difícil e poucos alunos conseguiam resistir até ao final. Como era professora primária e dava aulas no ensino oficial, o fascismo impedia-me de usar a justificação de fazer exames, para faltar à escola primária. Não podia usar essa justificação porque a falta não me era justificada.

Como era o ambiente na FEP?

Com este estatuto que tinha, e pelo facto de ser professora primária, com aulas ora de manhã, ora de tarde, só ia à Faculdade uma parte do dia. Sendo certo que era fundamental ir às aulas práticas, que eram obrigatórias. De acordo com isso, ia à Faculdade, mas menos tempo comparativamente com os restantes colegas, por trabalhar. O meu relacionamento com os meus colegas era muito bom. Indispensável, aliás, para conseguir fazer o curso, trabalhando e tendo os meus dois filhos - os dois mais velhos nasceram enquanto era aluna na Faculdade. Como não podia ir à maior parte das aulas teóricas eram as minhas colegas que me passavam os apontamentos. No Café Piolho e no Café Universidade fazíamos a troca dos apontamentos e conversávamos um pouco. Ali foi também a minha universidade. Foi para mim fundamental essa solidariedade que existiu durante todo esse tempo. Recordo-me de colegas como a Isabel, a Rosa, o Claudemiro, a Antonieta … Recordo-me desse grande apoio de colegas, que foi fundamental. Era-me impossível saber o que se passava nas aulas sem a ajuda delas. Da parte de alguns professores, sobretudo dos mais novos, dos assistentes, também houve alguma compreensão pois reconheciam a minha situação. Recordo-me perfeitamente da solidariedade do Professor Jesus, que até hoje não esqueço.

O que gostava mais e o que gostava menos na FEP?

Aspectos negativos… Foi sobretudo o clima que se vivia. Era um clima de opressão. Recordo-me de vir da escola primária, depois das aulas, dirigir-me para a Faculdade e estar tudo ocupado pela polícia. Recordo-me perfeitamente de um episódio. Estava grávida do meu segundo filho – que, aliás, é também economista, formado pela FEP – estava no final da gravidez e a polícia decidiu que eu não podia passar. Via-se alguma perseguição. Insisti em passar e só não fui agredida porque estava grávida e lá me deram indicações expressas para sair. Dirigi-me então para o Piolho, mas vi alguns dos meus colegas a serem levados na carrinha para a prisão. Foram momentos duros ao ver colegas serem agredidos e presos. Estávamos em 1971, e claro que este clima duro se vivia também dentro da faculdade. No último ano – acabei o curso em 1973 – na disciplina de Teorias Económicas, lembro-me de alguns de nós termos o desejo de estudar a teoria Marxista e isso ser, obviamente, proibido na Faculdade. Nos Leões, onde funcionava a FEP, havia uma excelente biblioteca, que acabou por sofrer um incêndio. Lá, estranhamente, alguns livros escapavam à censura, como, por exemplo, obras de comparação entre a teoria Keynesiana e a teoria Marxista, baseadas em livros publicados em Portugal. Recordo-me perfeitamente de uma livraria, em Coimbra que tinha livros idênticos, comprei um de Lenine que só tinha o nome original – Vladimir I. Ulianov – e por isso tinha escapado à censura. Alguns dos que conseguíamos obter eram publicados clandestinamente. A minha ligação ao PCP começou em 1974, como militante. As minhas ligações a pessoas comunistas, contudo, vinham já de 1972. Imediatamente após a queda do fascismo inscrevo-me no PCP, mais precisamente, em Maio de 1974. Mas, tal como estava a dizer, nessa disciplina de Teoria Económicas, eu e alguns colegas decidimos fazer um trabalho tendo por base alguma teoria Marxista. Eu fiz um trabalho sobre a teoria Marxista e a teoria Keynesiana. O professor era o Dr. Conceição Nunes, que admitiu que fizéssemos um trabalho sobre o assunto que quiséssemos. Creio que nunca lhe passou pela cabeça que iríamos escolher este tema, pois não era dado nas aulas. Para ele foi um choque. Os exames orais eram individuais. O meu trabalho não era muito profundo e era feito na base de uma aprendizagem pessoal, e fazer isto foi uma grande ousadia. Não o refiro apenas como um desafio ao fascismo, mas sob o ponto de vista teórico e intelectual. Eu, de facto, não tinha bases para fazer um artigo profundo. Quando chego à oral o professor pergunta-me qual o trabalho que tinha feito. Eu digo-lhe: “Tem aí. É a comparação entre a teoria Keynesiana e a teoria Marxista”. Ele só me respondeu: “Ah! Está bem, então vá-se embora”. E não me fez a prova oral. Fiquei com os 15 valores da prova escrita. À luz dessa época foi o que melhor conseguiu fazer. Com esse gesto, comigo e com outras colegas, ele não nos impediu de fazer o trabalho. Considerou um desafio e não fez o debate oral. Tentou fazer crer que era um homem liberal, mas, evidentemente, o seu liberalismo tinha limitações. A FEP era uma faculdade muito fechada e regida por um homem do fascismo, o Professor Seabra. Claro que, nos últimos anos, com as lutas estudantis, deuse alguma abertura, mas era uma abertura muito limitada. Esta e outras acções provaram essas limitações, demonstrando que a FEP era fechada a ideias e acções que não fossem do sistema. Num ou noutro caso, alguns professores apareciam como que fugindo a esse processo, mas com limitações. Enfim, são as contradições da época.

Que conselhos dá aos mais novos e aos que estão agora a terminar o seu curso na FEP?

Há sempre uma enorme diferença entre a vida de estudante e a vida prática. É depois, também com a experiência da vida, que vamos definindo o nosso caminho. Embora no momento da minha formação na FEP tenha vivido um processo muito difícil, de trabalho e estudo, também teve um lado muito real, o do mundo dos livros que lia. Penso que qualquer curso deve ter essa procura de ligação à realidade. Também fui professora durante muitos anos, e sei como é difícil trazer para a escola a realidade que se vive lá fora. Como fazer a melhor ligação entre a teoria e a prática para que não seja tão chocante, aquando da saída da faculdade, a ligação ao mundo real. A minha experiência de vida permitiu-me essa ligação. A FEP deu-me um conjunto de instrumentos teóricos que permitiu aprofundar o conhecimento da realidade. Eu, que sou comunista desde 1974, e na FEP nunca estudei as teorias marxistas, mas consegui aí as bases para a minha formação. Quando comecei a estudar o marxismo, não o fiz como aluna da faculdade, mas procurei incorporar isso no meu próprio estudo. Deveremos ter sempre uma grande abertura de pensamento para as diferentes teorias e áreas do conhecimento. É uma base importante para qualquer aluno, assim como o é formar um espírito crítico relativamente a tudo o que a própria faculdade lhe dá. Eu procurei fazê-lo, apesar das limitações da época. Incorporar o meu estudo pessoal nos conhecimentos fundamentais adquiridos na faculdade foi importante para entender o que o ensino superior não dava. A FEP deu-me sobretudo os instrumentos necessários para poder fazer essa incorporação teórica de outras teorias, de outras análises não transmitidas na sala de aula. Terminei o curso em 1973, ou seja, frequentei a faculdade em período fascista. Mas estudei a teoria Marxista com base nos instrumentos de uma faculdade onde nunca se deu teoria Marxista. É o melhor elogio que posso fazer ao curso que tirei, apesar das suas limitações. Só para terminar, gostaria de referir que fui técnica economista de sindicatos e contactei com muitas empresas, sobretudo na área têxtil. Ora quando, após o 25 de Abril de 1974, houve certa desconfiança em relação à FEP, alguns patrões perguntavam-me quando tinha tirado o curso, pensando que o tinha feito no período pós-revolucionário, para tentarem desvalorizar as análises que eu fazia. Calavam-se sempre que lhes dizia que tinha terminado o curso em Junho de 1973. Não entendiam as minhas posições, com uma formação da FEP durante aquele período fascista.

Entrevista realizada por Pedro Quelhas Brito

Carlos Costa

Carlos Costa (Cesar, 1949)

  • 2 filhos
  • Ano de entrada na FEP: 1968
  • Vice-Presidente do Banco Europeu de Investimento

Quem é o Carlos Costa?

Um antigo aluno da Faculdade de Economia do Porto, que fez o seu percurso académico em três etapas: primeiro, concluiu o Curso Geral de Comércio na Escola Comercial de Oliveira de Azeméis, isto é no antigo ensino técnico; depois concluiu o curso de Contabilista e, em paralelo, a habilitação ao Ensino Superior e parte do Curso de Perito Aduaneiro, no Instituto Comercial do Porto, com um estágio de final do curso de Contabilista na auditoria do Banco Borges & Irmão; e, por fim, frequentou e concluiu a licenciatura de Economia da FEP, entre 1968 e 1973. Um antigo aluno da FEP que, em 1973, quando frequentava o quinto ano da licenciatura foi convidado para ser monitor da FEP, para a área da matemática financeira, o que acontecia pela primeira vez na história da escola (foi a primeira vez que alguém com o estatuto de aluno frequentava a sala dos professores da Faculdade). Um antigo aluno da FEP que, concluída a licenciatura, em 1973, foi convidado para exercer funções de assistente de Teoria da Contabilidade, em 1973/74, e que, depois, passou a integrar o Grupo das Ciências Sociais, como docente de História do Pensamento Económico, de 1974 a 1985, e, cumulativamente, de um seminário Macroeconomia Aplicada, de 1981 a 1985. Um antigo aluno que, entre outras funções, foi Director do Centro de Estudos de Economia Portuguesa do Banco Português do Atlântico, Coordenador do Núcleo de Economia e Finanças da Representação de Portugal junto da CEE, Chefe de Gabinete do Comissário Europeu, Administrador da CGD e que é, hoje, Vice-Presidente da maior instituição financeira multilateral, o Banco Europeu de Investimento. Mas sobretudo, e essencialmente, um antigo aluno da FEP, que, enquanto estudante, se integrou bem na sua faculdade, onde fez grandes amigos, e na “cidade” e no seu “tempo”, participando activa e entusiasticamente na vida intelectual da cidade do Porto, que na época era muito estimulante, com múltiplas tertúlias, organizadas em torno dos muitos cafés que havia na cidade, onde se discutia literatura, poesia, teatro e política; e um antigo aluno da FEP que, uma vez licenciado, teve o privilégio de participar em projectos e partilhar momentos que foram muito gratificantes e que, paralelamente, esteve disponível para dar o seu contributo cívico sempre que tal lhe foi proporcionado.

Como era a Faculdade de Economia nos seus tempos de estudante?

A Faculdade de Economia era uma escola muito sui-generis, com dois ramos providos de lógicas de funcionamento e de dinâmicas bem distintas:

De um lado, a área de teoria económica orientada predominantemente para uma transmissão de um “corpus” teórico estruturado em torno de uma síntese neoclássica, ortodoxa e monolítica. Tratava-se de um modelo de ensino magistral, e por consequência unidireccional, que privilegiava uma inculcação exigente dos conhecimentos constantes das chamadas “sebentas” acompanhada de uma avaliação muito selectiva, onde não havia abertura para a reflexão e análise críticas, fosse através do confronto com outras abordagens teóricas, mesmo que devedoras do paradigma neoclássico, fosse através da reflexão sobre a sua capacidade explicativa da realidade económica ou, ainda, sobre a sua adequação ao estádio de desenvolvimento do país e da região Norte. Esta situação era um reflexo, primeiro, de um modelo de escola em que o ensino predominava sobre a investigação, que era muito incipiente; em segundo lugar, da reduzida dimensão do corpo docente, sem a escala necessária para gerar um ambiente de inquietude teórica e intelectual; e, em terceiro lugar, do facto de estarem em Lisboa os poucos departamentos de economia aplicada e de política económica e monetária existentes no país, que, em si, constituíriam um factor de perspectivação crítica da teoria económica. Os professores de teoria económica não só estavam condicionados pela falta de um meio favorável à investigação como também pela falta de oportunidades para exercerem a profissão de macro-economista fora da Faculdade. Antes de 1974, o único organismo relevante que se instalou no Porto foi a Comissão de Coordenação da Região Norte, o qual, dada a origem do seu animador, o Prof. Valente de Oliveira, e as temáticas que tratou, teve um efeito spill-over sobretudo sobre a Faculdade de Engenharia do Porto. O segundo organismo relevante a surgir no Porto, com efeitos de spill-over sobre a FEP, afirmou-se depois de 1974 – a Direcção de Estudos Económicos do Banco Português do Atlântico.

Convém ter presente que a inculcação acrítica de uma “vulgata” teórica neoclássica era comum às demais escolas superiores de economia, muito embora no caso do ISCEF, actual ISEG, esta prática tenha sido atenuada pela influência, primeiro, de figuras tutelares, com destaque para o Professor Pereira de Moura, que, a partir de meados da década de sessenta, se distanciaram do modelo monolítico então dominante; depois, pela influência dos professores que estavam envolvidos no estudo dos problemas da economia portuguesa, nomeadamente no quadro da preparação dos Planos de Fomento, ou que trabalhavam também no Secretariado Técnico da Presidência do Conselho, terem tido necessidade de recorrer a outras ferramentas analíticas ou a modelos explicativos alternativos; e, ainda, pela influência indirecta dos trabalhos do GIS no domínio da epistemologia das ciências sociais e, em particular, pela introdução da dimensão social na reflexão sobre os fenómenos económicos. Há que ter presente que este modelo de ensino magistral e monolítico era sobre-determinado pela política e pelo policiamento ideológico impostos nessa época. Note-se que, todavia, sob um estado de coisas aparentemente estático, se foi registando uma evolução lenta, mas inelutável, como se tratasse de uma deslocação de placas tectónicas, que veio a eclodir, a partir de 1970, sob a forma de uma crescente contestação tanto da “vulgata” neoclássica como dos modelos de inculcação – evolução que viria a culminar nas mudanças e nas alterações ao plano de curso no período a seguir ao 25 de Abril de 1974.

Do outro lado, as áreas de empresa e do direito, confiadas a professores que combinavam a sua vida docente com uma actividade profissional relevante e que não eram nem se assumiam como meros transmissores de um corpo teórico mas sim como transmissores de uma experiência prática e de uma percepção da realidade económica e empresarial do país, praticando uma permanente dialéctica entre a teoria e a prática resultante da sua própria experiência. Esta vertente conferiu à Faculdade uma marcada ancoragem na realidade económica. Na área das ciências empresariais, em particular na área das contabilidades, esta combinação entre docência e actividade empresarial determinou a emergência de um pensamento próprio, com traços de inovação, que poderia ter feito “escola” caso tivesse sido publicado em revistas de especialidade. Infelizmente, tal não sucedeu e, a meu ver, por duas ordens de razões: a primeira e menos relevante, a falta de tempo por parte dos docentes em causa; e a segunda, determinante, a falta de um meio académico que patrocinasse, estimulasse e validasse um pensamento que tinha origem em docentes que viviam paredes-meias entre o meio académico e empresarial e, por isso, se sentiam exteriores ao “campo de legitimação académica”. Foi pena, porque poderia ter projectado ainda mais a escola fora da região. Isto é, a projecção na região foi progressiva e sólida, mas ficou sobretudo a dever-se à especificidade do seu modelo de docentes que acumulavam a docência com uma vida profissional nas empresas da região. Para compreender a importância deste traço característico da escola importará ter presente que em 1953, quando a Faculdade de Economia foi criada, o papel do economista não era ainda reconhecido pelos agentes económicos e empresariais da região, que confundiam o economista com o técnico de contas. Era o reflexo do predomínio da pequena dimensão das empresas, das insuficiências de organização e do primitivismo dos modelos de gestão então predominantes. Os professores e os primeiros licenciados da FEP foram determinantes para o reconhecimento da especificidade do papel do economista na empresa. Foram eles que promoveram a colocação de sucessivas gerações de licenciados da Faculdade, convidando-os para colaborar nas empresas onde prestavam serviço ou que faziam parte da sua rede de relações. Tiveram um papel determinante na consolidação do lugar da FEP no mercado do trabalho ao funcionar como uma autêntica rede, uma network, que identificou oportunidades, caucionou colocações e, de algum modo, supervisionou a qualidade da prestação dos licenciados que iam saindo da Faculdade. Isto é, os professores que acumulavam com funções nas empresas foram os agentes da sedimentação e da consolidação da Faculdade de Economia na região. Note-se que parte dos professores da área da teoria económica também participou nesta afirmação da Faculdade, dado que, por falta de um mercado de trabalho na área da macroeconomia, desempenhava funções de economistas de empresa. O que significa que a notoriedade e o prestígio da FEP no tecido empresarial da região, que ainda hoje confere à FEP uma vantagem competitiva, deve muito à originalidade do modelo da Faculdade, com professores que faziam a ponte entre a escola e o meio empresarial e, claro, à prestação dos licenciados que eles formaram.

Que diferenças encontra entre ontem e hoje?

Sobre o presente tenho que me pronunciar com cautela, dado que, desde 1985 contacto esporadicamente com a realidade da FEP e do ensino superior em geral, e por isso não tenho com o mesmo conhecimento de causa que tenho sobre os anos de 1968 a 1973. Para entender e situar aos anos de 1968 a 1973 é necessário ter em consideração que aqueles foram anos marcados por cinco ordens de factores: num plano internacional e interno, pela alteração dos padrões comportamentais e pela emergência de novas formas de pensar e praticar a política, fenómenos que foram precipitados pelo Maio de 68, em França; e, no plano interno, pela guerra colonial, pela vigilância político e ideológica da polícia política, acompanhada de repressão e prisões, e pela tentativa de redireccionamento da política de ensino, “Do outro lado, as áreas de empresa e do direito, confiadas a professores que combinavam a sua vida docente com uma actividade profissional relevante e que não eram nem se assumiam como meros transmissores de um corpo teórico mas sim como transmissores de uma experiência prática e de uma percepção da realidade económica e empresarial do país” NotíciasFEPJANEIRO/ABRIL2008 em particular da ensino superior, ensaiada pelo Ministro Veiga Simão. Quando entrei para a FEP os efeitos de Maio de 68 começavam a sentir-se, num processo acelerado de absorção. Os comportados dos estudantes libertavam-se dos espartilhos da sociedade tradicional portuguesa, nomeadamente no que respeita às relações entre sexos e à condição feminina. O pensamento político dos estudantes absorvia as críticas libertárias, trotskistas e maoístas do establishment oposicionista, de tal modo que a oposição à ditadura passa a ser um mosaico de famílias e de pensamento, com linhas de fractura e de antagonismo muito marcadas, o que determinou a emergência de práticas muito contrastadas de intervenção crítica tanto na escola como na sociedade. Ao mesmo tempo, os estudantes universitários tinham no seu horizonte uma certeza portadora das maiores incertezas: a guerra colonial que, na melhor das hipótese, os esperava no fim da licenciatura. Quatro anos que se interpunham entre a saída da faculdade e a entrada no mundo profissional e que congelavam projectos pessoais, na melhor das hipótese, ou dissuadiam mesmo a elaboração de projectos. Em termos de carreira, tratava-se de uma travessia de um deserto carregado de ameaças e de perigos, que encurtava o horizonte do sonho (muitas vezes, resumia-se a passar incólume quatro anos de riscos…). Uma guerra colonial que nem os estudantes nem a sociedade podiam livremente questionar quanto à sua razão de ser, à sua necessidade e à sua finalidade. Os jovens universitários questionavam-se e, face à repressão política, compreendiam e convergiam com os movimentos de oposição que tinham por ponto de partida uma crítica do modelo económico-social do país ou tão só a falta de liberdade política, gerando uma vaga de fundo que desencadeia movimentos de repressão por parte do poder político, com cargas policiais, prisões e incorporação militar antecipada de dirigentes estudantis. Paralelamente, e contraditoriamente, o Ministro Veiga Simão tenta arejar o sistema superior, aproximando-o dos modelos europeus, como se tal fosse possível num contexto de ditadura e de agravamento de tensão com a comunidade universitária. Durante os anos de 1968 a 1973 a FEP viveu, em crescendo, este agravamento de tensões no seio da universidade portuguesa com reflexos no plano escolar, académico e político. No plano escolar, os alunos passaram a ter uma atitude crítica dos conteúdos e das condições de avaliação. Procuraram-se textos alternativos aos conteúdos das sebentas, reflectindo o pensamento político marxista que atravessava a maior parte dos movimentos políticos estudantis. Todavia esses textos foram sempre cultivados à margem das próprias aulas, salvo em situações de contestação, meramente circunstanciais e episódicas, sem qualquer efeito sobre o conteúdo das cadeiras em causa (a pobreza de variantes da teoria e de problematização no ensino da economia facilitou a sedução por um modelo crítico que tendia a ser monolítico e simplista, com prejuízo da própria doutrina marxista). Surgiram movimentos de contestação dos padrões e dos modos se avaliação das disciplinas da licenciatura, que culminaram com a realização de duas greves que duraram um ano lectivo, em que a quase totalidade dos alunos se manteve solidária, com o consequente adiamento da disciplina para o ano seguinte.

Estes desenvolvimentos foram acentuados por um modelo de direcção da Faculdade que era muito limitativo de iniciativas individuais dos professores. O facto de os professores, condicionados pela inexistência de modelos alternativos de ensino, terem tido muita dificuldade em afirmar a sua autoridade sem recorrer a atitudes autoritárias, teve por consequência que alguns deles acabaram por ser postos em causa, nomeadamente através de greves – professores cuja idoneidade intelectual e profissional, continua ainda hoje a suscitar o respeito dos antigos alunos dessa época. Tratou-se de professores que tiveram dificuldade em conciliar as expectativas de participação dos alunos com o seu conceito de exercício da autoridade pedagógica, ou que não souberam ou não puderam conciliar a adopção de uma relação pedagógica mais participativa, que os alunos queriam, com o modelo de relação pedagógica, autoritária, que a Direcção da FEP preconizava ou impunha (estes professores que, como disse, eram idóneos tanto do ponto de vista pessoal e profissional, sofreram as turbulências da FEP porque se encontravam no momento errado e no sítio errado). No plano académico, assistiu-se a uma progressiva contestação das tradições académicas – o traje académico praticamente desapareceu e a Queima das Fitas deixou de ser organizada, a partir de 1971. No plano político, assistiu-se a uma politização das associações de estudantes. O poder académico e político reagiu violentamente à contestação das práticas da escola e à politização do movimento associativo, lançando a polícia de choque sobre os estudantes, com invasão das instalações da escola e encerrando mesmo a Associação de Estudantes. Comparando aquela época com a actual há um contraste flagrante na medida em que nenhuma daquelas circunstâncias persiste: está adquirida a pluralidade, dissipou-se o deslumbramento de novas doutrinas políticas e não há condicionamentos à liberdade de expressão e de militância; não há guerra colonial que interrompa a integração na vida profissional e que cerce a vontade e a capacidade de sonhar; os modelos de relação pedagógica e de gestão da escola são hoje participativos e estão institucionalizados. O que não significa que os estudantes não se confrontem hoje com problemas e que não tenham horizontes carregados de nuvens de incerteza. Hoje, o desemprego é uma ameaça que pesa e condiciona os comportamentos dos estudantes. O cepticismo político e filosófico coarcta a capacidade de sonhar uma sociedade melhor (há causas, como a ambiental, mas não há grandes “Quando entrei para a FEP os efeitos de Maio de 68 começavam a sentir-se, num processo acelerado de absorção. Os comportados dos estudantes libertavam- -se dos espartilhos da sociedade tradicional portuguesa, nomeadamente no que respeita às relações entre sexos e à condição feminina.” desígnios ou utopias capazes de gerar surtos de generosidade e solidariedade comparáveis aos que se viveram nos finais doa anos sessenta e anos setenta. Como a morte nas gravuras antigas, o desemprego é hoje um espectro que ronda os estudantes e os atrofia na sua capacidade de sonhar.

E o ambiente entre colegas?

O espírito de entreajuda era muito forte. Nunca senti que alguém limitasse o acesso dos colegas à documentação de que dispunha Partilhávamos notas, apontamentos e documentação entre nós. A vida académica estava organizada em torno de uma nebulosa de cafés que tinha por epicentro a Praça dos Leões, onde ficava a antiga Faculdade de Ciências. Dada a ausência de espaços de trabalho e de convívio na Faculdade, era nesses cafés (a que acrescento a Biblioteca Municipal, em S. Lázaro) que os alunos da FEP se encontravam antes das aulas, nos intervalos, depois das aulas e depois de jantar. Aí se estudava e se preparavam os exames. Aí adquiriram a sua formação política e cultural. Aí decorreu uma importante parte da sua educação sentimental. Partilhavam apontamentos e se entre-ajudavam. Nunca senti uma resistência à partilha de informação.

Havia alguma coisa que gostasse menos?

Para lá da já referida limitação dos horizontes a nível da própria ciência económica que resultava da inculcação acrítica de uma vulgata neoclássica, acho que um dos factores mais negativos dessa época tinha a ver com limitação dos horizontes dos alunos e dos licenciados. Por um lado, não se estimulava a mobilidade entre faculdades, sobretudo para as situadas no estrangeiro – não havia mecanismos financeiros de apoio, salvo um número escassíssimo de bolsas, e o ambiente intelectual não promovia, ou mesmo desencorajava a saída do país (o que era determinante no caso de assistentes dado que não tinham garantida nem a bolsa nem a possibilidade de reingressar na escola de partida. O que hoje os alunos de economia conhecem como ERASMUS, era de facto uma coisa totalmente excluída. A Faculdade não só não financiava a realização de estudos de pós-graduação fora da Faculdade como também não estimulava ou patrocinava tal formação. Também não tinha formação de pós-graduação, o que significa que nessa época os que, depois da licenciatura, continuaram a estudar e a investigar o fizeram muito na base da sua autoformação.
Como disse antes, o enfoque da escola restringia-se ao ensino, o que se reflectiu no reduzido número de doutoramentos defendidos na FEP e no reduzido número de doutorados entre os respectivos docentes.

Com base naquilo que viveu na sua altura, que conselhos daria aos recém-licenciados?

Primeiro, a aquisição dos fundamentos científicos das diferentes disciplinas que concorrem para a aquisição de uma competência de um economista ou de um gestor: uma sólida formação macro e micro económica, uma sólida formação em métodos de análise quantitativa, alicerçada numa boa formação matemática, e, no caso da área de gestão, um profundo conhecimento das ciências ligadas à empresa (recolha, processamento e análise da informação relacionada com a empresa e a sua envolvente – fundamental para a gestão – competências de decisão com base na informação produzida, capacidade de reflexão e de decisão estratégica e uma fina compreensão dos factores determinantes da dinâmica psicossociológica de uma organização). Em segundo lugar, adquirir uma boa bagagem analítica, epistemológica, sociológica e histórica que o habilite a compreender a historicidade das organizações e dos modelos sócio-económicos de forma a saber confrontar-se com novas situações. É preciso ter a capacidade de primeiro compreender o que emerge e depois responder com as ferramentas que adquiriu. Trata-se de completar a caixa de ferramentas que são os saberes com a capacidade de saber pensar e de reagir às mutações sociais, científicas e tecnológicas. Em terceiro lugar, é necessário nunca perder de vista que o economista ou o gestor, tal como o médico não pode esquecer o todo que é o paciente, têm que ter sempre presente que a realidade com que estão confrontados é sistémica (todas as partes se implicam), é complexa e que, mais do que o detalhe, interessa o todo, que é sempre maior do que a soma das partes. Têm que ter muito bomsenso, muita humildade analítica, capacidade para ver que para lá de um pormenor técnico há um sistema. Vale pouco dissecar profundamente uma faceta da realidade, se não se entende o enquadramento dessa mesma (fica-se com uma boa radiografia de uma parte do sistema, mas incapaz de formular as relações de implicação entre essa parte e o todo e, por consequência, de estabelecer diagnósticos e agir de modo eficaz. Trata-se de uma competência que se adquire ultrapassando os limites e as fronteiras de cada uma das disciplinas que dissecam o objecto de trabalho do economista ou do gestor. O que significa que mais do que técnicos de partes da economia ou da empresa – e isso implica capacidade para assumir uma abordagem interdisciplinar. Quanto mais monodisciplinar for a formação menor será a capacidade de compreender e intervir eficazmente sobre a realidade que interpela o economista ou o gestor.

Entrevista realizada por Pedro Quelhas Brito

“…participando activa e entusiasticamente da vida da cidade do Porto, que na época era muito estimulante, com múltiplas tertúlias, organizadas em torno dos muitos cafés que havia na cidade, onde se discutia literatura, poesia, teatro e política”

“Do outro lado, as áreas de empresa e do direito, confiadas a professores que combinavam a sua vida docente com uma actividade profissional relevante e que não eram nem se assumiam como meros transmissores de um corpo teórico mas sim como transmissores de uma experiência prática e de uma percepção da realidade económica e empresarial do país”

“Quando entrei para a FEP os efeitos de Maio de 68 começavam a sentir-se, num processo acelerado de absorção. Os comportados dos estudantes libertavam- -se dos espartilhos da sociedade tradicional portuguesa, nomeadamente no que respeita às relações entre sexos e à condição feminina.”

“É preciso ter a capacidade de primeiro compreender o que emerge e depois responder com as ferramentas que adquiriu. Trata-se de completar a caixa de ferramentas que são os saberes com a capacidade de saber pensar e de reagir às mutações sociais, científicas e tecnológicas.”

Maria Cândida Oliveira

Maria Cândida Oliveira

  • 62 anos, 2 filhos
  • Ano de entrada na FEP: 1965
  • Actualmente, consultora em organização e gestão de Empresas, Mesária da SCMP e Presidente do Conselho Fiscal da Sogrape

Quem é a Maria Cândida?

Sou uma pessoal normal, como tantas outras. (Tenho muita dificuldade em falar em mim…). Mas, acho-me completamente normal. Sou uma pessoa que gosta muito do que faz, que luta muito por aquilo em que acredita… até se convencer que não é possível… Quando acredito numa Causa, raramente deixo de combater. Fui sempre assim na vida, talvez por força da educação que tive.

Em que ano é que entrou na Faculdade de Economia?

Na Faculdade de Economia, em 65. Formei-me em Outubro de 70. Vim de África, Moçambique, com o objectivo de pura e simplesmente me formar em Economia e regressar. Mas entretanto acabei por ficar cá, casei com um colega e os meus planos foram para a estratosfera; acabei por não voltar. Com bastante pena! Mas, poucos anos depois, a família veio toda, fruto da história que nós todos conhecemos. Quando saí da Faculdade, fiz uma breve passagem pelo ensino, porque, na época, era o que nos estava reservado. Era extremamente difícil, nomeadamente para nós mulheres, encontrar um trabalho na área da gestão, assim à maioria restava o refúgio do ensino enquanto não surgia aquilo que realmente nós queríamos. Eu não queria de facto dedicar a minha vida a dar aulas; queria ir para a área da gestão, e, digamos que mais ou menos depois, isso aconteceu.

Começou a trabalhar em que área?

Fui para a Sogrape. Considero que tive muita sorte, no aspecto em que nem sempre se começa bem, se entra na empresa certa e se está com as pessoas certas. Nesse aspecto, considero-me privilegiada, porque tive a oportunidade de começar a minha vida profissional numa empresa com uma cultura muito especial, tanto a nível humano, como a nível de gestão, onde aprendi muito do pouco que sei e onde, de facto, me senti sempre muito bem. Aliás, eu sempre me senti ligada a essa empresa porque mais tarde, quando vou para Barbosa & Almeida, vou a convite da administração da Sogrape, então accionista maioritária de BA. A maior parte da minha vida de trabalho esteve sempre ligada à mesma GENTE. Curiosamente agora, volvidos estes anos todos, estou de novo com eles, porque sou Presidente do Conselho Fiscal da Sogrape. Acho que o meu começo foi privilegiado, porque alguns colegas meus entraram em empresas onde não havia de facto uma conduta baseada numa boa cultura de empresa, uma educação empresarial e uma postura de respeito pelas hierarquias e pelas funções, fosse ela qual fosse, desde a mais baixinha até à mais alta, porque afinal no fundo todos numa empresa contribuem para o seu sucesso. E eu considero que nesse aspecto tive muita sorte e não aconteceu porque tivesse pedido ou intercedido. Evidentemente que quando saí da faculdade fartei-me de me mexer para arranjar lugar fosse onde fosse, mas a oportunidade ocorreu, quando eu já quase estava na convicção de que não me restava outra alternativa, que ser professora. Como lhe disse, nunca deixo de lutar por aquilo em que acredito, mas já estava a pensar que não havia alternativa. Entretanto, surge um anúncio no jornal a que eu respondi e foi tão somente isso.

Como é que era a FEP ali na Praça dos Leões?

Do ponto de vista de instalações, má; estávamos instalados num sótão. Eu não sei como é que o mundo universitário hoje a nível de utentes no que se refere a solidariedade. Fiz agora uma breve passagem pelo ensino, na Universidade Fernando Pessoa, em que estive a dar um Mestrado para um grupo de 14 alunos, mas foi uma experiência vista do outro lado. Estive a dar um Mestrado sobre Estratégia Empresarial. Fiquei muito bem impressionada com o nível e postura dos jovens licenciados, o que me leva a surpreender com certas notícias que surgem por aí, generalizando certos comportamentos. E, falo por mim. Tive uma experiência muito engraçada e gratificante. Na FEP, naquela época, nós todos trabalhávamos muito, porque não tínhamos outra hipótese. Tínhamos mesmo que pedalar muito, tínhamos que nos esforçar muito, porque o nível de exigência era brutal, a todos os níveis. Havia professores eventualmente mais contemplativos, menos exigentes, mas a grande maioria tinha um grau de exigência enorme, uma coisa absolutamente incrível, que não nos dava muita oportunidade que não fosse para levar aquilo, muito, muito a sério. Isso dava-nos uma enorme união, porque para além de termos os livros, as aulas, de tudo, tínhamos também que nos ajudar, em termos de apontamentos e esclarecimentos. As pessoas não tinham acesso à informação como hoje, não havia tantas facilidades. As tecnologias de informação não existiam, e portanto tinha que haver uma grande interajuda. Dos que entramos em 65, em relação ao número inicial, apenas acabou junto um pequeno grupo. Pede-me exemplos, entre eles o Daniel Bessa, o Falcão Carneiro, o Godinho de Almeida,… Depois havia os que nós íamos apanhando. Portanto, acabamos por formar um conjunto que não era o núcleo inicial. Desse, sobraram poucos, porque deixavam cadeiras para trás, porque iam chumbando … Mas era um grupo muito engraçado e eu acho que foi uma fornada muito boa qua saiu naqueles anos, tanto no meu ano como nos anos subsequente, que era gente com muita qualidade, que trabalhou muito, que sabia muito. Eventualmente não teria uma visão prática das coisas como hoje os jovens têm porque o ensino era muito mais virado para o nível teórico. O que nós tínhamos era uma bagagem muito consistente, muito sólida.

De que é que gostou mais na FEP naquela altura?

De uma maneira geral, de tudo.
Mesmo que naquela altura não tenha gostado e agora reconheça que foi algo bom…
Mas é verdade, tem razão numa coisa. Muitas vezes quando estamos a viver as coisas, achamos que é um exagero e que o nível de exigência é muito grande, embirramos com isto e com aquilo, temos uns professores de quem gostamos mais, outros, que são as “feras”… Mas hoje, pensando bem e, olhando para trás, eu acho que foi profundamente útil tudo isso. De facto, a idade e a experiência fazem com que nós olhemos para as coisas de outra maneira, Por exemplo, nós quando somos adolescentes, os nossos pais vão dizendo coisas e nós achamos que é música celestial e, mais tarde, quando somos pais e quando vivemos as situações, chegamos à conclusão de que eles, afinal, tinham razão. Portanto, a sensação que eu tenho, é que estive, numa época, na Universidade, tanto a nível de colegas, como a nível de corpo docente com gente boa, com gente que nos deu, pelo menos a mim, armas para poder na prática, na vida, sentir a segurança para poder enfrentar os desafios que profissionalmente se iam deparando.

Alguma área em particular foi assim útil?

Bem, apesar de eu ser licenciada em economia, eu sempre estive ligada à gestão propriamente dita, Portanto, tudo o que era ligado à gestão, à empresa, mas ao nível da condução da empresa, que é o que eu mais gosto de fazer. Hoje não o faço porque também já trabalhei muito e faço mais consultadoria, mas tenho muitas saudades. O que eu também acho, é que tenho que pôr um bocadinho de travão à minha ânsia, porque eu, trabalhei muito. Mas, de facto, não há nada tão gratificante, pelo menos para mim, que gosto, como estar numa empresa, motivar as pessoas, porque sem as pessoas as empresas não são nada. Fazer com que todos assumam o objectivo da empresa como o seu, e sentir a máquina a trabalhar, i.e. tudo e todos a puxar para o mesmo lado, e os resultados a acontecerem.

Falamos de coisas boas até agora. E coisas de que gostou menos? Alguma coisa que se fosse agora, devia ser diferente?

Não me recordo, porque eu não sou uma pessoa de más memórias. Mas isto é com a maior das sinceridades. Felizmente, eu devo ter um filtro psicológico. Eu não tenho nenhum baú onde guardo más recordações; expurgo isso tudo. É uma questão de temperamento, não é uma qualidade, é uma questão de postura, de maneira de ser, se calhar até genético, ou fisiológico. Não sou capaz. Se quiser fazer um esforço muito grande, imagine que alguém me decepcionou e me feriu… não me esqueço mas não perturba a minha vivência. Eu não sou uma pessoa que olhe para trás e sinta qualquer espécie de rancor.

Acha que foi tudo perfeito?

Perfeito, não. As coisas evoluem naturalmente consoante a sociedade evolui. Naquela época, para aquela sociedade, pra aquilo que era, era assim, e ponto final. Entretanto, as coisas evoluíram, se quer que lhe diga, se calhar algumas não evoluíram tão bem assim. Houve uma abertura muito grande, houve coisas que desapareceram, que eu pessoalmente acho que se calhar foi erro. Tenho dúvidas que os jovens profissionais hoje saídos da maioria das Universidades contem com certo tipo de defesas e bagagem que tinham na época. Podem dizer que era uma forma um bocadinho clássica e excessiva da passar conhecimentos, mas o certo é que, as pessoas ficavam com ele. Tinham-no mesmo! Hoje se calhar existe um… (não queria chamar-lhe) certo facilitismo… Os profissionais, salvo honrosas excepções, fogem a assumir responsabilidades, não assumem tanto as coisas e depois é tudo muito mais superficial e mais aligeirado. Perante as dificuldades que surgem, há muito receio de enfrentar profissionalmente. Frequentemente optam por soluções de compromisso, não decidem, e a “culpa”, morre solteira. Não sabem ou não querem resolver, porque lhes falta o background que dá a coragem na hora certa.

Baseado em toda a sua rica experiência profissional, que conselhos daria aos nossos estudantes que estão a sair agora, quer da área de Gestão, quer de Economia?

Acho que fundamentalmente o grande conselho que poderei dar, se é que sou alguém para dar conselhos, é que procurem ter uma postura e saber intelectual e convencerem-se de que, na medida em que se quer ter cargos de chefia, e, quem sai de uma Universidade não vai logo ter um alto cargo, deve conquistá-los, natural e espontaneamente e não combater para os ter, porque as coisas só surgem e só têm consistência quando de facto são ganhas através dos resultados e das prestações que se vão fazendo; a pressa, muitas vezes, é inimiga da qualidade. Digo frequentemente aos filhos, aos jovens que acabam de entrar no mercado de trabalho, que o que conta é a nossa credibilidade, e essa não se consegue com favores políticos, sociais, seja lá o que for. É aquela que nós conquistamos com resultados que, naturalmente vão saindo das nossas performances e, portanto, é step by step que se chega lá. As coisas fluem naturalmente e são consequência lógica, com muita seriedade na forma como se trabalha, tanto em relação aos outros, como sobretudo em relação a nós próprios porque nós não podemos ser sérios para os outros se não formos sérios connosco. E este é o grande conselho. E eu acho que há muita boa gente, Agora, o que esta gente hoje enfrenta, é uma crise de esperança e o problema gravíssimo de encontrar no mercado de trabalho oportunidades que, muitas vezes, estão dadas a quem não merece, porque as razões de escolha nada tiveram a ver coma competência e isso é muito mau para uma sociedade. Há gente muito boa e que está eventualmente no sítio errado porque não tem amigos, não tem favores políticos, não tem quem lhe meta cunhas. Situação tão grotesca, que todos combatemos, mas que está pior do que nunca. E eu vejo gente muito boa, a fazer coisas que se calhar não é ali o sítio certo, e vejo outras pessoas que não valem nada em cargo importantes. Depois o resultado está à vista. Diz-me que foi sempre assim… e eu digo-lhe que actualmente é mais evidente. Claro que hoje a informação é mais aberta, mas acessível, houve uma evolução muito grande na comunicação. Mas todos nós sabemos e constatamos isso. E os resultados são a proba disso.

Entrevista realizada por Pedro Quelhas Brito

“…a sensação que eu tenho, é que estive, numa época, na Universidade, tanto a nível de colegas, como a nível de corpo docente com gente boa, com gente que nos deu, pelo menos a mim, armas para poder na prática, na vida, sentir a segurança para poder enfrentar os desafios que profissionalmente se iam deparando.”

Daniel Bessa

Daniel Bessa

  • Licenciado na Faculdade de Economia da Universidade do Porto em 1970

Como é que era a FEP no seu tempo?

Eu entrei em 65, fui aluno do 13° curso, ou 14°. Eu penso que muitas coisas nessa época eram mais sacralizadas do que são hoje. Ou então fomos nós que, com a idade, mudámos. Uma coisa que me admira e que me espanta em muitos portugueses, é o acesso que têm a grandes instituições, com elevadas responsabilidades. Portanto, eu acho que hoje muita gente, no decurso da vida, criou essa ideia de acesso e de proximidade. Não era assim; para um miúdo com 17 anos que entra na Universidade, a Universidade é vista como um mundo complexo, era muito pouca gente que acedia. A FEP era uma coisa relativamente distante, um pouco mítica, no sentido de que também criava nessa altura uma expectativa de algum conforto para o resto da vida, a ideia de um emprego, a ideia de um emprego bem pago. Depois tinha a ver com as pessoas que por lá andavam. A FEP não tinha um corpo docente muito jovem. Economia nasceu relativamente tarde, não havia ainda muitos diplomados e alguns deles eram pessoas que foram para a universidade já numa fase tardia da vida. E, portanto, havia por lá professores que eram homens feitos, de carreiras profissionais já de relativa referência. Portanto, não sei se era da idade, se era disso tudo junto, a FEP, e a Universidade em geral, aparecia como um passo muito importante e a entrada num mundo completamente diferente.

O Daniel foi “puxado” para a Economia?

Eu devia ter ido para Direito. A vocação era Direito. Isso era uma coisa que se decidia no final do antigo 5° ano do liceu, hoje o 9° ano. Só que para Direito era preciso ir para Coimbra, nem sei se havia em Lisboa nessa altura, talvez houvesse… Mas a alternativa era ir para Coimbra. E para uma família com limitações muito sérias, isso estava completamente fora de questão. A FEP apareceu como uma espécie de second best. Em áreas mais científicas, a Física e a Química, eram áreas onde eu manifestamente não me revia. Áreas como as línguas, por exemplo, também fazia muito mal porque tenho péssimo ouvido, e depois vim a perceber que provavelmente o problema era esse. A FEP era de alguma forma intermédia, a velha alínea “f”, que não era nem de letras nem de ciências. No nosso tempo, um tipo chegava ao 5° ano de liceu e tinha que escolher, portanto escolhia basicamente a via das ciências ou das humanidades. E a alínea “f” era uma alínea intermédia. Economia era o curso de Salazar, que tinha muito pouca história. O Porto tinha uma tradição de formação em Ciências Comerciais. Tinha havido uma Escola de Comércio do Porto que tinha sido encerrada, não sei se pela 1a República, se já pelo Salazarismo. Mas eu penso que foi na 1a República que essa escola foi encerrada… E a FEP é criada então em 53, como uma tentativa de restaurar no Porto a Economia. Mas de Economia não tinha nada, aquilo era basicamente uma escola de gestão na vertente mais comercial, financeira e contabilística. As partes fortes eram a contabilidade geral, a contabilidade analítica. Havia um foco muito grande no Direito, mais próximo dos negócios… Portanto, Economia como a entendemos hoje, a simples distinção entre micro e macro quase não entrava ali. Talvez já fosse um pouco mais sofisticada no trabalho sobre as Ciências Económicas, mas a FEP era basicamente uma escola, não vou dizer de negócios, mas de gestão na vertente mais contabilística e financeira e, aquilo que alguém que entrava na FEP esperava fazer era uma carreira desse tipo, na área das contas. Eu fui sempre um aluno muito ponderado, com um sentido de dever quase obsessivo. A minha família era bastante modesta, o meu pai tinha feito um curso na escola comercial. À saída da escola primária, a grande escolha era entre ir para o ensino técnico ou ensino liceal. O pai tinha uma opção assumida pela Escola Comercial mas prevaleceu a ideia da mãe e da família da mãe, dos tios e das tias. Eu tinha sido um estudante bastante aceitável na escola primária, e a família da mãe fez prevalecer a ideia de que o menino devia seguir a via liceal porque lhe permitia chegar à Universidade e ser na vida alguém um pouco mais sofisticado. Lá fui, mas com um contrato: no primeiro ano que reprovasse, ingressaria no ensino técnico. Portanto, eu desde o primeiro dia fui muito confrontado com esse problema, não podia reprovar, não podia deixar mal quem tinha apostado em mim. Depois havia o problema económico. Quando andava no 3° ano do liceu, arranjei um miúdo que andava no 1° ano, tinha um ano a menos que eu, e eu fui posto a dar-lhe explicações nas matérias todas. Ele ia lá para casa e eu ganhava dinheiro com isso. Foi um trabalho que a minha mãe me arranjou e ao fim de um ano esse dinheiro todo deu para comprar um fato. Isto para dizer que era uma pressão muito grande, um enorme sentido do dever e da responsabilidade.

Mas o Daniel não se divertia nessa altura? Não namorava?

Sim, pelo menos no Verão. A namorada, digamos, mais sólida foi encontrada lá na FEP. Aliás bem cedo, no final do 1° ano já eu ia construindo uma relação mais sólida. O Verão era um período muito longo, dá-me a impressão que hoje é menos longo, mesmo para os miúdos que estudam. Mas aquelas férias de Verão, aqueles três meses… Eu era um bom aluno, portanto normalmente não tinha exames em Outubro ou em Setembro. Eu não sou do tempo de comer meia sardinha, talvez a avó fosse, mas não tem comparação possível.

Mas concretamente o que é que gostou mais na FEP, o que é que o marcou?

Eu construí uma relação muito especial com uma pessoa que conheci lá logo no primeiro ano, o Professor Alberto Pedroso era um mito. Era um homem já formado em Físico-Químicas na Faculdade de Ciências. Depois, quando a FEP foi criada, ele já homem adulto, ingressa na FEP como aluno, e lá se licenciou. E fazia uma diferença incrível, porque era uma pessoa com um espírito muito analítico, com uma formação quantitativa bastante sofisticada, muito rigoroso. Por exemplo, essa pessoa marcou-nos muitíssimo a todos. Depois do 25 de Abril a escola mudou, ele não aceitou algumas mudanças e pôs-se numa situação de incumprimento que nos obrigou a saneá-lo, como na altura se dizia, não sei se o termo é o mais apropriado. E acabou ali uma relação, que era talvez a relação que eu mais prezava. Nunca mais falei com ele, porque não me atrevi e ele também não teve a condescendência de dizer alguma coisa.

E sobre o lazer e divertimentos?

Tenho uma vaga ideia, de qualquer coisa na área do cinema. Sou um admirador incondicional de alguns cineastas. Bergman foi talvez aquele que me marcou mais. Depois mais tarde, já é outra geração, o Fassbinder. Fiquei seduzido pela sua lucidez. Ele matou-se, e eu acho que era construir sobre isso a ideia de que é o fim único que restava a alguém que fosse tão lúcido. Era um modo de entender o mundo. Mas isso veio numa fase posterior. Portanto, havia um pequeno círculo na área do cinema, havia um pequeno círculo na área do teatro. Isto para dizer que o Porto era uma cidade de trabalho, e mesmo de algum lazer. Eu, aos Sábados, ia ao Universidade e ao Piolho, este sendo um café um pouco mais conservador ia-se para conversar. Ao Universidade ia-se para conversar e para trabalhar. E eu que tinha que trabalhar, era mais frequentador do Universidade (café) do que do Piolho. Eu lembro-me de aparecerem as primeiras televisões, vivi em Viana do Castelo sem luz eléctrica, em casa da avó.

E como é que a FEP foi evoluindo?

A FEP foi feita no 25 de Abril, essa é a ruptura total. É uma ruptura basicamente política. No 25 de Abril há meia dúzia de pessoas que tomam conta da situação, há o saneamento dos Professores. Eu votei contra o saneamento do Professor Seabra, que era o director, achava-o muito decente. A ideia do decente é muito relativa, era uma pessoa com convicções políticas, que pôs essas convicções políticas à frente da Faculdade em vários momentos. Mas apesar de tudo era um tipo cumpridor e eu achei que não havia muita razão para o mandar embora. Mas votei por exemplo a favor do saneamento do Almeida Garrett, que era do regime e era um Professor, e como Professor distinguia-se por não ir lá, e achei portanto muito razoável mandá-lo embora. Na sequência disso, houve a saída de uma série de pessoas, como o Professor Pedroso, o Professor Baganha, que se puseram na posição de não concordar com nada do que se estava a passar. (…) Eu estou incluído naturalmente, está incluído o Carlos Costa, que foi uma figura decisiva, a Fátima Brandão, o Vasco Airão e alguns tipos mais novos que estavam a chegar – Alberto Castro, Fernando Teixeira dos Santos... (…) Numa postura muito radical, muito virada à esquerda. Mas eu acho muita piada, porque essa malta, eu acho que no essencial, teve ali… vamos lá ver, eu fui Presidente do Conselho Directivo da FEP devia ter 26 ou 27 anos. (…) começou a dizer que a vida não era só política e administração universitária; tínhamos que estudar, e fazer os doutoramentos. Portanto, o José Madureira Pinto, que na altura era um conservador… eu deixei de ser Presidente do Conselho Directivo da FEP em 79, tinha portanto 31 anos. Foi tudo muito depressa, porque as pessoas são chamadas muito cedo a assumir enormes responsabilidades, e se reparar, algumas dessas pessoas acabaram por ter uma projecção na sociedade portuguesa que se calhar gente mais bem comportada e com processos mais normais acabou por não ser tão posta à prova. Agora outros tipos, que foram moldados ali, como o Freire, foi gente que andou lá e fez as asneiras todas, mas ganhou ali uma endurance, para usar a expressão francesa. Depois o passo seguinte é a normalização: uns vão para os EUA fazer os doutoramentos… O primeiro grupo que vai para os Estados Unidos, que tem a ver com a vinda do Professor Vale e Vasconcelos, que é um senhor português que toda a vida tinha vivido fora, em Moçambique, Angola, África do Sul, EUA, e veio para o Portugal democrático. Foi uma pessoa decisiva, porque ele vinha com contactos e começou a oferecer a possibilidade de alguma malta se doutorar. Ele entrou como Professor Catedrático para FEP nos finais dos anos 70. Os quatro primeiros que vão para os EUA são o Alberto Castro, o José Costa e o Abel. Ele não queria que fossem todos, mas depois houve uns arranjos internos, enfim as questões políticas da Faculdade em que para irem uns tinham que ir outros… E depois o José Madureira Pinto que também já estava a trabalhar no doutoramento. O Pimenta e eu também fomos para Lisboa, inscrevemo-nos como alunos de doutoramento e doutorámo-nos lá. Isso inicia a fase de normalização da Faculdade. E daí para cá aquilo que eu vejo com mais desgosto é a incapacidade que a FEP revelou de conviver com a diferença. Acabou por criar uma cultura de sentido único e acabou por ir perdendo – e eu vejo com pena isso - tipos que podem ser menos disciplinados, e podem valer menos desses pontos de vista, mas tinham alguma coisa a dar à Faculdade. Acho que foi pena que não se tivesse conseguido integrar. Quando foi criado o primeiro Conselho Científico na FEP, a FEP foi fechada, Mário Sottomayor Cardia fechou a FEP e depois entregou poder ao Professor Fernando Durão, que nem estava lá. Foi chamado o Professor Baptista Machado, o Professor Jorge Faria e o Professor Armando Castro, que nem sei se era Doutorado. À deriva mais revolucionária, o Conselho Científico era composto por estas pessoas. Isto nos finais dos anos 70, ainda o Madureira Pinto não se tinha doutorado, portanto estávamos completamente no princípio.

Como é que o Daniel gostaria que as pessoas se lembrassem de si?

Eu acho que fui um docente da FEP. Não sei se pode chamar um Professor, mas eu vivi o ensino. Acho que é a única coisa que eu na vida fiz bem. Construí uma série de competências na área pedagógica, talvez um pouco por força dessa vida de desde os 12 anos ser explicador. Acho que fui basicamente professor de muita gente, portanto acho que é assim que a maioria das pessoas que andaram na FEP durante estes 40 anos me vêem, embora agora esteja menos próximo.

O seu envolvimento na actual EGP – University of Porto Business School é relativamente recente.

Eu tive sempre o bicho da administração universitária. Eu já falei em cargos de direcção na própria Faculdade, depois estive ligado à criação da Escola de Tecnologia e Gestão do Politécnico de Viana, estive na Reitoria da Universidade do Porto. Portanto, essa foi sempre a outra metade da vida, digamos assim, que é a administração universitária. Aqueles que andaram pelo ISEE, que foi criado em 1988, o que podem recordar de mim é as aulas, e não correu mal. Depois fui chamado para a função de direcção da EGP, em 2000, quando o Rui Guimarães saiu. O Rui Guimarães era o segundo presidente da direcção aqui da Escola e eu fui o terceiro, desde 2000.

Qual é o seu legado na EGP?

Eu penso que a EGP cresceu bastante e atingiu um nível de notoriedade razoável. Bem, e agora fechámos um ciclo. A EGP foi uma coisa sempre mal recebida na FEP; foi vista basicamente como uma alternativa e o querer fazer coisas que se achava que a Faculdade não podia fazer, com um pendor mais executivo e menos académico e portanto a Faculdade conviveu sempre muito mal com isto. E do meu ponto de vista quase que põe termo a um ciclo. Eu acho que hoje se está numa fase diferente e eu sinto-me muito contente por ter estado aqui durante este período, por ter levado a EGP a um patamar de notoriedade um bocadinho mais alto. Mas do lado de cá estive eu e fico feliz por ter contribuído para enterrar este machado de guerra.

E o que falta fazer?

Eu acho que Portugal é um país minúsculo, onde as coisas nascem com o mínimo de ambição… É o caso das empresas que vendem no mercado interno e de repente passam a vender para fora e as coisas podem multiplicar por 10 ou por 20. Eu acho que a EGP-UPBS só depende de nós, portanto não há nada que nos limite, a não ser a nossa própria capacidade. Noutras escolas, noutros países, com situações de partida certamente não melhores do que as nossas, chegaram lá. Eu acho que o limite é o céu. Não há nada que não possamos fazer, só depende de nós.

Entrevistado pelo Professor Pedro Quelhas Brito

Jorge Martins

Jorge Martins

  • Licenciado na Faculdade de Economia da Universidade do Porto em 1989

Quem é o Jorge Martins?

O Jorge Martins é um gestor que foi um dos fundadores da Martifer, e que hoje, quase 19 anos depois, continua aqui na frente dos negócios, a fazer isto crescer todos os dias, cada vez menos economista e mais gestor, que é essa a trajectória que tenho seguido. E obviamente corrigindo um pouco a trajectória, porque fui para Economia um pouco para ser complementar do Carlos, porque já havia a ideia de fazer um projecto conjunto, quando, se calhar, se ele não tivesse escolhido primeiro, poderia ter ido para Engenharia.

O que é que a FEP fez por si, enquanto pessoa e enquanto profissional?

Cria-se alguns hábitos. A disciplina… O grau de liberdade que um estudante universitário tinha naquela altura, e que se calhar hoje não é muito diferente, obrigava a que as pessoas de parcos recursos, como éramos nós que éramos bolseiros, tivessem o tempo contado para acabar o curso. E essa disciplina, obviamente, foi tida durante toda a licenciatura, embora tenha descoberto que a licenciatura não estava a formar-me para ser empresário, pelo que comecei a trabalhar a meio do curso. Fui estudante trabalhador, e desta forma, quando em 1989 acabei a licenciatura, estava confiante para arrancar com um projecto, porque já sentia a experiência do mundo do trabalho. Obviamente, a escola forma técnicos, não forma empreendedores. As escolas devem assumir esse papel e responsabilidade de estimular formar e estimular o empreendedorismo. O empreendedor tem de fazer a diferença, se o quer fazer, e tem de ser imaginativo. Eu tentei fazer o shortcut. O Carlos era – era e é – três anos mais velho do que eu, e como tal ia à frente na licenciatura dele, e eu pensei fazer esse shortcut que foi começar a trabalhar, para começar a adquirir experiência e não ter essa desvantagem, e para que isso me pudesse dar o background suficiente para depois arrancar com um negócio e saber o que é que tinha de fazer para gerir uma empresa. Entrevista a Jorge Martins Licenciado na Faculdade de Economia da Universidade do Porto em 1989

Que conselhos é que dá à malta nova, aos estudantes que têm 20 e poucos anos, que estão a estudar ou a acabar o curso? Que máximas é que eles devem ter em consideração?

Isso depende obviamente das pessoas. Aquilo que sempre disse é que a trajectória que seguimos tem muito a ver connosco… Não foi por acaso que a Martifer nasceu. Eu diria que, muitos anos antes, todos os passos que fui dando – eu e o Carlos – foram no sentido de encaixar todas as peças necessárias para que o projecto arrancasse. E posso dizer que, durante essa trajectória, houve momentos em que me passou pela cabeça desistir. Na década de 80 ser funcionário público era o sonho de qualquer português. Eu nunca tive essa ambição, e pensei que tinha de fazer algo diferente. Havia um número reduzido de alunos que colocava como ambição ser professor universitário, mas eu sempre recusei essa vida. Isso não! A partir daí, tudo o que era seminário de fundos de apoio à criação de empresas e ao investimento, e outros que pudessem complementar a minha formação, eu fui seguindo. E por isso não me senti completamente sem experiência para arrancar com um projecto, porque fui, ao longo do tempo, acumulando todos esses passos tendentes à concretização do objectivo. O maior conselho que posso dar a um estudante é tentar vislumbrar no futuro o que é o seu sonho, e naturalmente dar passos para o concretizar. A grande dificuldade muitas vezes é pensar – neste mundo de dificuldades, de crise – o que é que posso vir a fazer? Aí, o que eu digo é que o futuro ainda não está escrito. Está por decidir, e somos nós que podemos decidi-lo. Os graus de liberdade para poder decidir dependem muito mais de nós do que do exterior, e as pessoas normalmente estudam sem saber para onde vão, e quando saem da licenciatura começam a ler o «Expresso» e a ver sites de emprego, à procura da oferta de trabalho, quando deviam fazer isso com cinco anos de antecedência, ver o que está a acontecer, qual é a tendência, e encaminhar a nossa escolha.

Entrevista realizada por Professor Pedro Quelhas Brito

Nelson Machado

Nelson Machado

  • Administrador do Millennium BCP. Licenciado em 1982

Fale-nos um pouco sobre o Nelson?

Quando tinha sensivelmente 15 anos não sabia bem qual o rumo que a minha vida deveria seguir. Era um aluno razoável. No liceu não fui um aluno muito brilhante mas fi-lo com alguma facilidade. Depois surgiu-me uma dúvida enorme: haveria de seguir engenharia ou economia? Fiz, então, testes psicotécnicos que concluíram que tinha aptidão para uma ou outra área. Portanto, fiquei na mesma. Foi a primeira grande decisão da minha vida. Decidi-me por economia. Entrei na faculdade em final de 1977, momento em que a FEP tinha passado por um novo plano de curso e, por isso, o ano começou tarde (em final de Novembro). Fiquei de alguma forma deslumbrado. Era um mundo novo: a faculdade, a dimensão... E eu sentia-me muito bem naquele mundo novo.

Lembra-se de alguns colegas da faculdade que são, agora, figuras públicas?

Lembro-me, por exemplo, do Rui Pedras. Mas há vários. Naquela altura, no Porto, os dois grandes pólos de atracção dos estudantes de economia da FEP era o Banco Português do Atlântico e a Comissão de Coordenação da Região Norte. Houve, portanto, muitos colegas que foram para o Atlântico e muitos deles ainda lá estão.

O que a FEP fez por si?

Já no tempo em que fui lá estudante, a FEP era uma escola muito boa. Recordo com carinho, ainda hoje, os bons professores que tive. No entanto, recordo-me de um ambiente de estudo mais rebelde. Muitas das paixões que haviam no Mundo ainda existiam e os temas de economia tocavam-nas todas. Arranjei dois grupos de amigos curiosos. Num deles, o nosso ponto comum era o amor pelo futebol. A FEP, naquela altura, tinha bons relvados, os quais ulilizavamos para jogar futebol e não para parque de estacionamento. Poucos tínhamos carro. Portanto, os excelentes relvados eram, também, bons campos de futebol. Fizemos bastantes jogos Entrevista a Nelson Machado Administrador do Millennium BCP. Licenciado em 1982 naqueles relvados. Criamos uma equipa que nos acompanhou durante cerca de doze anos a jogar níveis altos de futebol de salão. Aliás, ainda actualmente, alguns de nós, nos encontramos uma vez por semana para jogar. Curiosamente, o outro grupo de amigos era constituído por pessoas muito mais à esquerda que eu, em termos de posicionamento ideológico. Julgo que era o único daquele grupo, na altura, com um rótulo de direita. Existia, portanto, muita emoção e muitas convicções ideológicas mas, de facto, na faculdade existiam amizades e grupos de colegas que eram transversais a todas essas sensações. E muitos desses colegas acompanharam-me ao longo de toda a faculdade. Há uma pessoa que me marcou imenso, com quem sempre gostei de discutir sobre a vida e sobre economia, que foi o professor Daniel Bessa. Há também muitas outras pessoas que me recordo e que me marcaram como professores.

Que conselhos dá à nova geração?

Uma das grandes características que vai determinar os vencedores e os menos bem sucedidos no Mundo em que estamos não é tanto a inteligência, as notas que tiram ou a capacidade de trabalho, embora tudo isso seja muito importante. É, no meu entender, a capacidade de se adaptarem à mudança. Porque há coisas que ninguém sabe como é que vai ser. E, nesse sentido, creio que a FEP, pelo menos no tempo que lá andei, tinha essa grande virtude. Não era uma faculdade tão técnica como algumas e ensinava-nos, acima de tudo, a estarmos atentos ao que se passa no Mundo. Ao ensinar-nos isso preparava-nos para a mudança. Essa é uma das marcas mais importantes que a FEP me deixou: ser capaz de perceber que o Mundo está a mudar e sermos capazes de fazer parte dessa mudança, não sendo arrastados por ela. É precisamente esse o conselho que dou à nova geração.

Entrevista realizada por Prof. Pedro Quelhas Brito

Ana Maria Fernandes

Ana Maria Fernandes

  • CEO da EDP Renováveis, diplomada pela FEP

Ana Maria Fernandes

CEO da EDP Renováveis, diplomada pela FEP

A Notícias FEP lança nesta edição uma nova rubrica de entrevista que pretende destacar o percurso profissional de sucesso de um Alumni da FEP. Começamos com chave de ouro ao entrevistar a CEO da EDP Renováveis e membro do Conselho de Administração Executivo do grupo EDP, Ana Maria Fernandes, que nos descreve, nas próximas linhas, de que forma a FEP contribuiu para a sua carreira promissora, entre outros temas.

A EDP Renováveis (EDPR) aumentou a sua produção em 22 por cento e quase triplicou os lucros ao longo deste ano. É um resultado animador para a economia do país? E também uma satisfação pessoal?

Estes resultados refletem o comportamento sólido e positivo de uma empresa de origem portuguesa que opera a nível global. A combinação de uma distribuição geográfica diversificada do nosso negócio (diminuição de risco de concentração num só país), com a inovação a diversos níveis e uma gestão financeira rigorosa, são algumas das principais razões que nos têm permitido mostrar um progresso positivo, consistente e constante, inclusivamente numa conjuntura difícil, o que é um motivo de grande satisfação para toda a equipa da EDPR, composta atualmente por cerca de 800 funcionários em 11 países (Portugal, Espanha, França, Itália, Reino Unido, Bélgica, Polónia, Roménia, EUA, Brasil e Canadá).

O que é que está na base deste crescimento? A aposta na Inovação? Conquista de novos mercados?

A base deste crescimento é a combinação equilibrada de expertise (como terceiro produtor de energia eólica a nível mundial podemos dizer que há poucos que desempenham este negócio tão bem como nós), com uma gestão financeira eficaz e uma distribuição geográfica equilibrada dos nossos ativos.

Na sua opinião, o que falta às empresas portuguesas: competitividade? Recursos Humanos?

O nosso país conta com uma excelente equipa de profissionais e quadros diretivos que podem fazer das empresas modelos de êxito. Portugal é um país que tem os recursos necessários para fundamentar o seu modelo económico nos serviços e no desenvolvimento de empresas e ideias inovadoras e pioneiras. No entanto, reformas muito importantes, designadamente ao nível da justiça, burocracia em geral, lei laboral, estabilidades fiscal, formação, etc. são absolutamente necessárias para atrair investimento interno e externo.

Como encara o facto de ser a única mulher CEO de uma empresa do PSI 20?

Penso que a qualidade de gestor não está ligada ao facto de se ser homem ou mulher, é o mérito que deve contar. O facto de ser a única mulher CEO do PSI20 é algo que demonstra o longo caminho que as mulheres ainda necessitam de percorrer. Consciente de que em muitas empresas portuguesas as mulheres têm vindo a abrir o caminho para ocupar cargos de responsabilidade. Estou confiante que, em pouco tempo, a minha posição será a de uma entre outras mulheres.

O que a levou a escolher a FEP para tirar a licenciatura em Economia e, mais tarde, a PósGraduação em Finanças?

Sem dúvida a reputação e o excelente ensino da FEP foram as causas da minha escolha. É algo de que sempre estarei orgulhosa, pois devo, em grande parte, os meus êxitos profissionais ao que aprendi na faculdade. O esforço e o facto de ter sido reconhecida como uma das melhores alunas também me beneficiou.

Atendendo a que, além de aluna, foi também assistente na FEP, entre 1989 e 1991, terá uma visão global da instituição. O que representa, para si, a marca FEP?

Uma referência importante e de prestígio, com bases muito sólidas, da qual saíram e sairão excelentes profissionais.

Tem acompanhado o esforço da FEP no desenvolvimento de áreas tão importantes como a investigação e a internacionalização?

Num mundo globalizado é importante que as nossas melhores "marcas" educativas tenham um perfil e um reconhecimento a nível internacional, não só para se posicionarem num ambiente competitivo, mas também para assegurar que Portugal e as suas empresas possam desenvolver-se com êxito na economia global, a cooperação entre empresas e universidades tem vindo a intensificar-se cada vez mais, conferindo mais oportunidades a ambas e tornando-as mais competitivas.

Que conselho gostaria de dar aos estudantes que frequentam hoje a FEP?

Em primeiro lugar, o que digo a todos os jovens é que confiem em si mesmos. Em segundo, que tirem o maior partido de cada minuto que estão a estudar na FEP, ou noutra instituição, que aproveitem a experiência dos seus professores, que partilhem as suas ideias, que as debatam se não estão de acordo… só assim conseguirão os melhores resultados....e que viajem, conheçam o mundo e que aproveitem as oportunidades que cada vez mais se lhes apresentam a esse nível.

A ligação às empresas é fundamental para esta Escola. A EDPR pode ser uma parceira?

A EDPR valoriza positivamente as parcerias com as diferentes escolas e costuma colaborar em programas com algumas das mais reconhecidas. Não descarto por isso a possibilidade de colaborarmos, de uma forma ou de outra, caso surja uma oportunidade.

Perfil
O percurso de vida de Ana Maria Fernandes está ligado à Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Foi nesta instituição que se licenciou em Economia (1986), tirou uma Pós-Graduação em Finanças e, mais tarde, foi Assistente (de 1989 a 1991). A atual CEO da EDP Renováveis e membro do Conselho de Administração Executivo do Grupo EDP iniciou a sua carreira profissional na área da banca. Foi no ano em que terminou a licenciatura que Ana Maria Fernandes ingressou na empresa Conselho – Gestão e Investimentos (Grupo Banco Português do Atlântico), na área de mercado de capitais, investimentos e reestruturação de empresas. Mais tarde, em 1989, assumiu funções na área de Corporate Finance da Sociedade de Investimentos EFISA, sendo, mais tarde, promovida a Diretora do Banco EFISA. Em 1992 integrou o Grupo Banco de Fomento e Exterior, como Administradora na área da Banca de Investimento, e foi Diretora de Corporate Finance, no BPI, entre 1996 e 1998. Antes de fazer parte do grupo EDP, integrou a Gás de Portugal, como Diretora de Planeamento Estratégico e M&A, assumiu as funções de Diretora de Estratégia e Gestão do Portfolio de Negócios da Galp e, posteriormente, de Presidente da Galp Power e Administradora da Transgás. Do seu percurso profissional há ainda a registar a sua experiência, entre 2004 e 2005, como administradora da Galp Energia.

Luís Filipe Cardoso da Silva

Luís Filipe Cardoso da Silva

  • Administrador da Mota-Engil SGPS S.A.

Pragmático e incisivo, Luís Filipe Cardoso da Silva revela nesta entrevista à Notícias FEP que, do seu ponto de vista, Portugal cometeu uma falha fundamental que consistiu em centrar-se no curto prazo. O Administrador da Mota-Engil vai mais longe ao atribuir grande parte desta responsabilidade aos economistas, a quem, pela sua formação, cabe fomentar essa visão estratégica e de médio/longo prazo, ainda que não hesite em reafirmar a sua paixão pela economia, em toda a sua vertente de ciência social, que considera fundamental para qualquer gestor. O contributo que a FEP teve na sua carreira profissional, as características que um empresário procura atualmente nos recém-licenciados e abertura do ensino superior à sociedade civil são outros dos temas aqui abordados.

Existe hoje uma opinião consensualizada que diz que Portugal não fez as reformas estruturais necessárias ao longos últimos anos. Concorda?

A discussão sobre as reformas estruturais, sejam sobre que área ou setor de atividade for, tem sido feita essencialmente à volta dos seus impactos no curto prazo e como tal é muitas vezes desfocada do verdadeiro objetivo que as mesmas pretendem atingir.

Não sei portanto se posso ou não concordar com a afirmação.

Não tenho dúvida que foram concretizadas importantes reformas que mudaram visivelmente o nosso país quando comparado com Portugal de há 20 ou 30 anos atrás.
Por outro lado, olhando para a performance da economia portuguesa na última década, podemos questionar se o país tomou as necessárias decisões estratégicas, se refletiu individualmente, sem influência dos nossos parceiros, europeus e não só, sobre quais os verdadeiros passos para o seu desenvolvimento.

Ora no que à dimensão estrutural ou estratégica diz respeito, a falha fundamental de Portugal terá sido a de nos centrarmos no curto prazo. Por outro lado, também teremos errado ao caracterizar mal, ou considerar pouco, a nossa indústria, os nossos serviços, a nossa formação, a nossa posição geográfica, a nossa dimensão, os nossos costumes, as nossas vantagens e as nossas fraquezas, numa palavra a nossa “cultura”. Por fim, teremos dado demasiado relevo ao exemplo de alguns países com quem nos relacionamos (copiando modelos que não se nos aplicam), ignorando outros para quem o nosso papel poderia ser bem mais relevante.

Por tudo isto, dizia, talvez os economistas sejam os principais responsáveis, pois deveriam pela sua formação fomentar essa visão estratégica e de médio e longo prazo.

Também acha que investimos demais em auto-estradas, e menos em setores estratégicos para o nosso desenvolvimento?

O investimento em infraestruturas é, a meu ver, estratégico e, nas vias de comunicação, foi feito no passado o esforço correto em termos de reflexão das necessidades para um país que se quer mais equilibrado e mais homogéneo.

O Plano Rodoviário Nacional é fruto dessa reflexão e aquilo que penso se deve sempre discutir é o ritmo da sua conclusão. Já noutras áreas, as falhas que sublinhei acima (horizonte de médio e longo prazo, caracterização do país e suas necessidades e relação com o mundo) são bem patentes pelas intermináveis discussões sobre as infraestruturas ferroviárias, aeroportuárias e portuárias.

Mas também pela forma intermitente e descoordenada como ao longo dos anos se investiu no património edificado, como sejam os tribunais, as instalações desportivas, os hospitais, as escolas, etc.

Se olharmos à nossa volta, poderemos encontrar diferentes modelos de desenvolvimento, mas dificilmente encontramos países com crescimento sustentável que não tenham as suas infraestruturas desenvolvidas de forma a assegurar o equilíbrio interno, mas mais importante a potenciar esse crescimento.

Ou seja, as infraestruturas são uma base estratégica do desenvolvimento. Será que, por exemplo, a Holanda poderia ter o mesmo papel no comércio mundial se tivesse apenas pequenos portos marítimos para servir as suas necessidades?

Tirou o curso na FEP. Sente que essa preparação foi fundamental para a sua vida profissional?

Claro que sim. O curso na FEP preparou-me para uma vida profissional em que cada vez mais o rigor é fundamental. Aprender, ouvir, conviver, com tantos Professores que se têm destacado na sociedade portuguesa preparou-me para ser economista e ser gestor. Tenho “andado” mais pela gestão, mas continuo a ter uma grande paixão pela economia em toda a sua vertente de ciência social que considero fundamental para qualquer gestor.

Como vê a mudança que a FEP tem vindo a promover com a internacionalização dos seus cursos e com a aproximação ao mundo empresarial?

Parece-me que a FEP, como todas as faculdades, deverá procurar acelerar esse caminho. No entanto, a internacionalização dos cursos, tal como a própria aproximação ao mundo empresarial deverá ter sempre em conta que a FEP é, antes de mais, uma faculdade portuguesa, localizada no norte do país. Quero com isto dizer que é fundamental que ambos os processos sejam feitos com a preocupação na formação de quadros que se destinem às nossas empresas, às nossas instituições, ao nosso país. Copiar, seguir exemplos de outros países, pode ser sempre um bom caminho, um caminho menos complexo, mas não é por certo o melhor caminho, aquele que otimiza o resultado para todos, faculdade, empresas, instituições, país.
Essa mudança deve portanto procurar ser feita tendo em conta as características dos estudantes, das empresas, dos empresários portugueses.

O que procura atualmente um empresário quando recruta um profissional?

Respondendo enquanto gestor e não enquanto empresário, diria que há várias características que procuro nos recrutamentos que efetuo.
Obviamente que o nível de formação teórica e a adequação técnica ao cargo a desempenhar são fundamentais, mas a capacidade de adaptação à mudança (tendo em conta o ritmo atual da inovação nos negócios), bem como a visão de futuro e capacidade de planeamento serão talvez as que mais destaco. Não posso por fim deixar de referir a sinceridade como uma qualidade humana que muito prezo.

A abertura do ensino superior à sociedade civil é essencial para assegurar a competitividade?

Com toda a certeza que sim. Não faz sentido que as duas realidades, ensino superior e sociedade civil, estejam afastadas, pois é através de uma ligação cada vez mais forte que as nossas empresas se irão desenvolver, através de aumentos significativos de competitividade, e que as nossas universidades irão compreender melhor as necessidades específicas dessas empresas. Ou seja, o grande desafio é não só a abertura das universidades às empresas e à sociedade civil, mas também, em sentido oposto, a abertura destas às universidades.

Como é que a Mota-Engil se relaciona com a Universidade do Porto? E com a FEP?

O Grupo Mota-Engil tem uma relação privilegiada com a FEP desde há muitos anos.
Eu próprio recrutei ao longo dos últimos 20 anos inúmeros licenciados nesta faculdade, muitos dos quais são hoje quadros do Grupo em Portugal e no exterior. É justo afirmar que alguns dos nossos melhores quadros são oriundos da FEP. Ao mesmo tempo é prática no Grupo recrutar jovens licenciados, apoiando a FEP a encontrar colocação para muitos dos colegas que terminam a sua licenciatura.
Por outro lado, ao nível da Formação de Executivos, o Grupo está representado no Conselho Geral da EGP em parceria com a UP e a própria FEP.

Que conselho gostaria de deixar aos estudantes da FEP?

A todos, aos que têm já no início ou ao longo do curso uma preferência em termos da sua vida profissional futura, mas também aos que não a têm, aconselharia principalmente a que absorvam todo o conhecimento possível ao longo do curso. O mundo muda hoje a um ritmo vertiginoso e a necessidade de nos adaptarmos é permanente. Para tal é fundamental termos todos um pouco de generalistas antes de sermos especialistas. E os cursos na FEP podem ser, desse ponto de vista, uma grande mais-valia no difícil mundo do trabalho.

Sobre a Mota-Engil

Apesar da crise financeira que está a afetar as empresas portuguesas e não só, a Mota-Engil continua com uma posição sólida. Qual é o segredo?

Uma reflexão estratégica permanente que tem permitido preparar as centenas de empresas do Grupo para os diversos ciclos que se vão vivendo nos diversos países onde operam. Esta reflexão, que apresentámos ao mercado antes da crise através de documento que designámos “Ambição 2013”, continha dois pilares fundamentais para o desenvolvimento sustentável do Grupo: a internacionalização e a diversificação. A Mota-Engil é hoje mais do que uma empresa portuguesa e essa característica foi considerada fundamental mesmo sem termos antecipado a crise que hoje se vive em Portugal. A ambição da empresa é maior do que Portugal.

Como é que a Mota-Engil preparou o momento presente e como se está a preparar para o futuro?

Tal como referido, através de uma estratégia de balanceamento de riscos que tem duas vertentes fundamentais: internacionalização e diversificação.
E para fortalecer esses dois pilares reforçamos o desenvolvimento e rentenção do conhecimento e do capital humano. Hoje, para preparar o futuro, e fruto das condições que vivemos na economia mundial, damos ainda maior relevo à vertente financeira, tendo ao mesmo tempo alterado o modelo de governo e de organização do Grupo com reforço do papel de cada região onde operamos: Portugal, Europa Central, África e América Latina.

As empresas portuguesas estão a ser grandemente afetadas pela chamada “austeridade”. Cada vez há menos poder de compra – isto significa que ainda podemos assistir a muitas falências até ao final do ano? Estima-se que mais de 6 mil podem fechar…

Sem dúvida que muitas empresas vão fechar, mas devemos acreditar que será possível injetar liquidez na economia, induzindo a geração da “confiança” aspeto fundamental para que os nossos empresários potenciem a inflexão do ciclo económico. Mais uma vez não podemos pensar apenas no curto prazo.

“É justo afirmar que alguns dos nossos melhores quadros são oriundos da FEP”

Perfil

Natural do Porto, Luís Filipe Cardoso da Silva, licenciou-se em Economia pela FEP em 1989.
Tendo iniciado o seu percurso professional (1989) na empresa Plásticos e Perfis Decorativos DURSIL, Luís Silva colaborou com várias empresas de renome nacional e internacional: Diretor do Controlo de Gestão de Grupos na Sonae Investimentos (1990-1992), na Mota & Companhia até o ano (1990-2000), na Mota-Engil (2000-2003) e na MESP - Mota-Engil (2003-2006). Ainda em 2006, tornou-se Presidente do Conselho Fiscal da Operadora Lusoscut, cargo que ocupou durante quatro anos, e Membro do Conselho de Administração da MESP - Mota-Engil. Funções que acumulou com a Coordenação de,diversos estágios e a formação no Grupo Mota Engil. Membro do Conselho de Administração da Mota-Engil Brand Management (2009) e da MESP – Central Europe (2010-2011) foram os passos seguintes. Em 2010, passa ainda a ser Vogal do Conselho Geral e de Supervisão da Vortal e Membro do Conselho de Administração da Vallis e da Martifer.
Do seu percurso há ainda a registar várias ações de formação nas áreas de Controlo de Gestão, Sistemas de Informação, Gestão Estratégica, Fiscalidade Internacional e Normas Internacionais de Contabilidade, o 1º Prémio dos European Counsel Awards 2011 na categoria “Corporate Tax” e a participação nos International Counsel Awards 2011 na categoria “Corporate Tax”, na qual chegou à final.

Ana Paula Marques

Ana Paula Marques

Administradora da Optimus e Professora Convidada da FEP
A Dra. Ana Marques apresenta um currículo académico e profissional muito rico e exemplar para os jovens que se encontram hoje a frequentar o Ensino Superior. Gostaria que começasse precisamente por falar da sua passagem pela FEP enquanto estudante…
A passagem pela FEP teve início em 1991 e terminou em 1996. Foram cinco anos muito ricos. Anos de grande crescimento não só no domínio intelectual e académico, mas também na vertente pessoal. Foi um período marcante da minha vida, do qual guardo muito boas memórias.

Quais foram as principais dificuldades sentidas na entrada no mercado de trabalho, acabada de se licenciar?

Os tempos eram mais fáceis para os recém licenciados, face à realidade que hoje se vive. O mercado oferecia mais oportunidades e no último ano de curso os finalistas eram normalmente confrontados com várias propostas alternativas. As principais dificuldades prendiam-se com: a escolha da área de desenvolvimento de carreira e a transição de um ambiente académico para um ambiente real. Os níveis de informação e de ligação às empresas eram bastante inferiores aos de hoje, pelo que a decisão da área de desenvolvimento de carreira inicial era menos informada. A entrada no mercado de trabalho é o momento da verdade, um momento em que nos confrontamos com questões que não abordámos na vertente académica, o momento em que surgem os verdadeiros desafios. É fundamental iniciarmos a nossa carreira em organizações que efetuem uma forte aposta na formação.

Tem acompanhado o percurso seguido pela FEP ao longo dos anos? Como classificaria hoje a FEP no mundo académico e na relação que mantém com as empresas?

Confesso que foi um acompanhamento à distância, pelo que não possuo uma visão cabal da realidade.
Como recrutadora, nomeadamente agora na Optimus, ou como dirigente, quais são as caraterísticas que privilegia ou que procura nos jovens recém licenciados ou mestres?
Não há um perfil ideal ou único. A diversidade é um ativo estratégico que promove o talento. Há, no entanto, um conjunto de caraterísticas, presentes em diferentes perfis, que tendo a procurar. Privilegio pessoas que acreditam no poder de fazer a diferença. Pessoas com coragem, ousadia e determinação. Pessoas com energia e atitude.

A aproximação às empresas e ao mercado de trabalho e a participação em casos reais de negócios são fundamentais e podem ser consideradas um complemento essencial para obter sucesso junto das entidades empregadoras?

Ana Paula Marques Administradora da Optimus e Professora Convidada da FEP 19 Não diria que é fundamental e essencial, mas seguramente contribui para um melhor conhecimento da realidade empresarial. Este modelo de trabalho parece-me importante não numa perspetiva de sucesso junto das entidades empregadoras, mas numa perspetiva de permitir que os estudantes conheçam diferentes realidades antes de tomarem uma decisão referente à sua primeira experiência profissional. Hoje fala-se muito na importância do empreendedorismo e na aposta na inovação.

É isso que tem faltado às empresas portuguesas?

Portugal tem excelentes exemplos de inovação. Há sectores que são verdadeiras referências a nível internacional. E temos também ótimos exemplos de empreendedorismo. O empreendedorismo é um motor de mudança económica, tecnológica e social, essencial à recuperação económica, ao crescimento e ao emprego. O contexto de crise provoca necessariamente vários impactos no ecossistema empreendedor. Desde logo, porque coloca pressão acrescida no acesso a capital, dificulta a criação de start-ups. No entanto, em determinadas camadas de talento, a crise que hoje atravessamos torna a via do empreendedorismo mais apetecível e estimulante. Para que seja esta última a vingar é necessário desenvolver uma estratégia holística que cubra os eixos de atuação relevantes. A título de exemplo: (i) promoção do acesso a capital, assente numa avaliação criteriosa de projetos, (ii) simplificação e desburocratização de processos, (iii) criação de políticas fiscais e de emprego mais favoráveis, (iv) exposição destes negócios a investidores nacionais e internacionais, (v) promoção de redes de empreendedores. Por último, é importante assegurar o futuro. Garantir que o nosso sistema de educação cria uma cultura de empreendedorismo, assente em iniciativa e inovação.

O que a levou a aceitar o desafio de regressar à FEP, agora como Professora Convidada?

O ser “a minha” faculdade. Tenho um carinho especial pela FEP e é um prazer enorme regressar.

Para além dos conhecimentos académicos e técnicos da sua área de atuação, quais são os principais “conselhos” ou orientações que dá aos seus alunos? Qual é a componente que privilegia?

É a primeira vez que leciono alunos do Mestrado. É bastante diferente de lecionar um MBA. Gosto de os conhecer, de os perceber e de tentar contribuir para o seu desenvolvimento durante esta viagem pela FEP. Privilegio a combinação de uma componente técnica robusta e de uma componente prática relevante.

A Dra Ana Marques fez um MBA no INSEAD. A internacionalização e a realização de parcerias com escolas estrangeiras, bem como o contacto com a realidade internacional é importante para os estudantes ou é só uma questão de diploma e curriculum?

Definitivamente é importante muito para além de uma componente de curriculum. O contato com a diversidade cultural e com a diversidade de experiências faz-nos crescer enquanto indivíduos. O contexto hoje é um contexto global. Não podemos ficar confinados ao país onde nascemos. É preciso conhecer mundo, alargar horizontes.

Acha que existe hoje essa consciencialização por parte dos responsáveis pelo Ensino Superior em Portugal?

Diria que sim. Assiste-se, por parte de diversas escolas portuguesas de referência, ao estabelecimento de parcerias com escolas estrangeiras, o que traduz uma maior aposta nesta vertente. Muitos estudantes começam desde cedo a preparar-se para ir trabalhar para o estrangeiro. Por lado é bom sinal, mas por outro esta tendência não pode acabar por fazer com que os “melhores” abandonem Portugal.

Como é que acha que se pode contrariar, ou melhor equilibrar, esta tendência?

Recomendaria a qualquer estudante, com ou sem contexto de crise económica, experiência internacional ao longo do seu percurso de carreira. O contexto é hoje muito mais global, pelo que a preparação para ser um cidadão do mundo é importante. No entanto, é importante desmistificar a ideia de que os “melhores” não conseguem hoje boas oportunidades em Portugal. Há inúmeras empresas de referência em Portugal que continuam a contratar e a oferecer excelentes oportunidades de desenvolvimento. É crucial garantir que as empresas continuam a apostar na renovação e formação dos seus quadros. A Sonae é uma das empresas que aposta, hoje, no atual contexto, em contratar os “melhores”!
A FEP continua a ser vista no mercado como uma escola de referência, de reconhecida qualidade técnica. Tem hoje uma postura mais aberta face ao exterior e uma relação de maior proximidade às empresas. Vejo, no entanto, oportunidades de uma maior abertura aos diversos agentes que gravitam neste ecossistema, e de uma colaboração mais estreita com as empresas.

Perfil

A FEP, na continuação da estratégia de reforço de aproximação à comunidade empresarial, a par da manutenção dos elevados padrões de ensino, contratou como Professora Convidada Ana Paula Marques, Alumna da FEP.
Ana Paula Marques, que se licenciou em Economia na FEP, detém formação avançada no IMD de Lausanne e na Harvard Business School e fez um MBA no INSEAD, está a lecionar disciplinas de estratégia na FEP.
Presidente da Associação Portuguesa de Operadores de Telecomunicação e Administradora Executiva da Optimus, com os pelouros de Residencial, Serviço ao Cliente e Operações, Ana Paula Marques tem atualmente em mãos o processo de fusão da Optimus com a Zon, o qual dará origem à segunda maior empresa do setor das telecomunicações.
Em termos profissionais, ocupou anteriormente os cargos de Diretora de Marketing e Vendas Particulares da Optimus, Diretora de Comunicação da Optimus, Diretora de Serviços de Dados da Optimus e trabalhou ainda no departamento de Marketing da Procter & Gamble.
Ana Paula Marques é portanto uma personalidade de indubitável valia e curriculum profissional, com importantes ligações no mundo empresarial, que constitui um importante reforço do corpo docente da FEP.

Francisco Sousa Pimentel

Francisco Sousa Pimentel

Diretor de Desenvolvimento Internacional da Sonae SR

Licenciou-se em Gestão na FEP. Como definiria a sua passagem pela Faculdade enquanto estudante?

Fantástica, e sinto que ganha cada vez mais com o distanciamento do tempo (risos). Tirei a licenciatura em Gestão entre 1995 e 2000, mas tive uma adaptação difícil, desde logo porque vinha da área de Ciências e só uns meses antes de entrar no ensino superior decidi que queria mudar para a área da economia.
Ainda me recordo de passar na secretaria da FEP para pedir os planos curriculares e tentar escolher entre Economia e Gestão!
Felizmente fui rapidamente envolvido pela faculdade, pelos colegas, professores, pelas atividades académicas e acabei a achar que passou tudo depressa demais.

Sente que a preparação aqui obtida foi fundamental para a sua vida profissional?

Sem dúvida, houve vários professores que me marcaram porque me ensinaram a olhar para a gestão como uma oportunidade para exercer uma profissão muito nobre, e me ajudaram a avaliar as decisões de uma forma mais completa e pragmática, muito para além da teoria. Geralmente eram os que mais experiência profissional tinham. Mas mais importante ainda são as excelentes amizades que aqui fiz e que muito prezo!

Como recrutador, agora na Sonae, quais são as características que privilegia ou que procura nos jovens recém licenciados ou mestres? É possível identificar características transversais aos diplomados da FEP?

Para mim as caraterísticas mais importantes talvez sejam a curiosidade intelectual e a tenacidade, mas procuramos muitas outras. Sempre recrutei na FEP e acho que os alunos cada vez mais procuram diferenciar-se uns dos outros, e bem, justamente para fugir às características comuns. No entanto é reconhecida a excelente preparação analítica e disciplina de trabalho da FEP, além de ter alunos intrinsecamente muito bons, o que ajuda.

Tem acompanhado o percurso seguido pela FEP ao longo dos anos, quer enquanto Alumnus envolvido na task-force, quer enquanto membro do júri do Prémio Carreira FEP. Como definiria hoje a Faculdade no mundo académico e na relação que mantém com as empresas?

A FEP sempre foi uma referência em Portugal, e julgo que nas últimas provas de acesso até reforçou a sua liderança nacional. O desafio tem de ser comparar-nos com os melhores da Europa, não os melhores da nossa rua. Felizmente é com esse espírito que o corpo docente e Conselho Diretivo estão a preparar a FEP para os novos desafios. Tive a oportunidade de participar em algumas sessões e é entusiasmante ver a dedicação e energia que colocam no trabalho.

Concorda que as Universidades têm de se aproximar mais do mercado de trabalho para fomentar a produtividade e combater o desemprego?

Concordo plenamente, mas diria mais.

Acho que as Universidades têm de se aproximar mais das comunidades, da investigação, das empresas, das pessoas, do debate de prioridades estratégicas, e com isso ajudar a sociedade a encontrar soluções para os problemas de hoje. Não é só uma questão de desemprego. É para isso que as Universidades foram criadas e essa deveria continuar a ser a sua vocação.
Infelizmente acho que algo disso se perdeu, mas as recentes mudanças de contexto podem levar a que se recupere.

A União Europeia divulgou recentemente um estudo que aponta que existe um desajustamento entre os desempregados à procura de emprego e as necessidades atuais das empresas. Concorda? Como se poderá alterar esta situação?

Apesar de não conhecer o estudo em causa, acho que em termos de licenciatura é errado formar um aluno pensando numa posição específica e por isso defendo uma forte componente generalista que lhe permita encarar diferentes desafios. O exemplo da FEP, com taxas de empregabilidade nos 90% confirma isso. A formação específica introduz rigidez no mercado de trabalho e dificulta a transição quando o mercado muda. E se há algo que sabemos é que ao longo de uma carreira de 30 ou 40 anos as necessidades vão mudar, e várias vezes. Preparar esse aluno para o imediato sem acautelar a sua capacidade de evoluir ao longo de uma carreira parece-me redutor das suas potencialidades. As empresas é que terão de complementar a formação académica dos novos quadros, o que é reforçado com as licenciaturas de Bolonha. A Sonae tem uma Academia Interna (Sonae Retail School) que permite justamente colmatar alguma falta de formação específica. É uma área onde as Universidades também poderiam ter um importante papel a desempenhar se estivessem mais próximas das empresas.

Como vê a mudança que a FEP tem vindo a promover através da internacionalização dos seus cursos?

É um passo muito importante. A internacionalização dos alunos, dos conteúdos, da língua e dos professores contribuem para enriquecer cada vez mais a experiência letiva. Esse movimento traz mais capacidade de reter os melhores. Não ignoro que tenha sido complexo gerir essa mudança, mas felizmente os resultados têm aparecido e confirmado que esse deve ser o caminho. A FEP tem de estar preparada para introduzir melhorias todos os anos se quiser continuar a ser uma entidade líder.

O contacto com a realidade internacional é importante para os estudantes? Acha que existe hoje essa consciencialização por parte dos responsáveis pelo Ensino Superior em Portugal?

Como responsável de uma área internacional não posso dizer o contrário (risos). Mais a sério, acho que o contacto internacional é indispensável. Não quero com isto dizer que devam necessariamente ir viver para o estrangeiro. Eu fui mais que uma vez e adorei, mas outro poderá não sentir essa necessidade.
O importante é conhecer outras realidades e outras formas de pensar. Só assim podemos estar abertos a interpretar e tolerar comportamentos que nos são estranhos, mas que num mundo cada vez mais globalizado se vão cruzar connosco com mais frequência.

A estratégia da Faculdade passa também pela aproximação aos seus Alumni. Como avalia o trabalho feito a este nível até ao momento?

Tem sido feito muito trabalho mas leva sempre o seu tempo. O lançamento do site de Alumni foi um grande passo. Sei que já estão umas largas centenas inscritos e com o tempo julgo que veremos cada vez mais eventos FEP em cidades mais distantes.
Eu viajo bastante e encontro Alumni FEP em muitas partes do mundo o que muito prestigia a Faculdade. Essa rede só existe hoje porque eles decidiram ter uma experiência internacional. E se hoje os Alumni da FEP têm esse ativo é uma pena não participarem e tirar partido dela, juntamente com os alunos atuais.

Qual é a sua visão para os próximos anos entre o ensino e o mundo empresarial nacional e internacional?

Espero que exista muita vontade de colaborar e criar laços. Há muito a ganhar por trabalharmos em conjunto. Essa não é característica pela qual os Portugueses são mais conhecidos, mas o que vejo na FEP deixa-me otimista!

Perfil

Francisco Sousa Pimentel licenciou-se em Gestão na FEP, em 2000, com uma das melhores notas do seu ano.
Frequentou durante um ano a Univ. Autonoma de Barcelona, com bolsa de mérito, ao abrigo do programa Erasmus.
Sempre envolvido com a FEP, foi eleito tesoureiro no 3º ano de curso, presidente da comissão de finalistas e membro da Assembleia de Representantes. Tem um MBA pela Harvard Business School.
A afinidade com as áreas de finanças e estatística que demonstrou ao longo do seu curso na FEP refletiu-se na sua carreira profissional. Ingressou em 2000 na FUTOP como analista de investimentos, de onde saiu no mesmo ano para a Mckinsey & Company.
Esta experiência profissional durou até 2003, contudo viria a fazer novamente parte do seu percurso profissional. Antes disso passou pelo banco de investimento Deutsche Bank, em Londres, e foi eleito CFO na associação PAPS USA durante a sua estadia nos Estados Unidos.
Em 2005 voltou à Mckinsey, tendo acompanhado processos de internacionalização de empresas na Europa, América Latina e África. Foi responsável como Sócio Associado pelos serviços de Corporate Finance em Banca na Europa.
É atualmente Director de Desenvolvimento Internacional da Sonae SR (insígnias Worten, SportZone, Zippy e Mo), com responsabilidade pela entrada em novos mercados e consolidação das 16 geografias onde o grupo já está presente.

Marta Cunha

Marta Cunha

  • Innovation Manager na Sonae

Terminou o curso de Gestão na FEP em 1999. 16 anos depois ocupa uma posição de destaque no grupo Sonae, o maior empregador privado em Portugal. A passagem por uma das melhores Escolas do país nas áreas da Economia e da Gestão foi fundamental para atingir este patamar?

Com toda a certeza. A Faculdade de Economia da Universidade do Porto e uma Faculdade com um elevado nível de exigência e que motiva os seus alunos a superarem-se dia apos dia. A acrescer e uma Faculdade com um elevado nivel de associativismo o que permite colocar em pratica os conceitos aprendidos, bem como o desenvolvimento de soft skills, tao necessárias ao sucesso em qualquer setor de atividade.

A Sonae está atualmente presente em 66 países. Considera que a internacionalização deverá ser cada vez mais uma exigência também para as Universidades?

Exatamente. Vivemos num mundo cada vez mais global, pelo que a abertura das Universidades ao exterior deixara de ser algo desejável para passar a ser algo indispensável. A partilha de experiências, o contacto com alunos e professores de outras geografias, bem como diferentes abordagens e metodologias e essencial para a construção de uma proposta de valor completa e diferenciadora.

A relação das escolas com o mundo real do trabalho é decisiva para o sucesso profissional?

Acredito que sim. Universidades e empresas têm obviamente papéis diferentes na sociedade e devem manter-se fieis a sua missão. Na perseguição dos seus objetivos há pontos de interesse comum. Por um lado as Universidades podem beneficiar de desafios reais aos quais poderão aplicar o seu conhecimento, e criar novo conhecimento. Por seu lado, o mundo empresarial poderá beneficiar da utilização deste conhecimento, evoluindo para além do estado da arte.

Sente que as empresas procuram cada vez mais mão-de-obra qualificada, não apenas em matéria de conhecimentos teóricos, mas empreendedora, criativa e orientada para a inovação e resolução de casos?

Sem dúvida. Os desafios que as empresas enfrentam são e serão cada vez maiores. Tao relevante quanto deter um determinado conhecimento técnico e importante que os colaboradores sejam dotados de competências que lhes permitam agir perante situações novas, que saibam definir corretamente os desafios e bem como fazer uso de metodologias especificas para a resolução de problemas.

Nesse sentido, e tendo em conta que a maioria dos cursos, de acordo com Bolonha, é de três anos, os estudantes devem apostar nos estudos pós-graduados?

Essa é uma questão que não deve ser vista de forma generalizada.
Cada estudante devera avaliar o seu caso específico de forma a decidir qual o melhor caminho. Não acredito que haja uma receita única.

No seu caso, por exemplo, porque sentiu necessidade de fazer um MBA?

Estava afastada do mundo académico há alguns anos pelo que senti a necessidade de atualizar os meus conhecimentos nesta área. Ao longo da minha carreira tenho tido o privilégio de ter formação especializada e focada nas várias funções que desempenhei. Neste momento era chegada a altura de ter uma formação mais completa e aprofundada que me permita manter preparada para diferentes desafios que possam surgir.

Que importância teve para si receber o prémio de melhor aluna de MBA do mundo?

Foi um momento de enorme orgulho e de esforço reconhecido.
Foi também um sentimento de dever cumprido perante a Porto Business School dada a enorme responsabilidade de a representar a nível internacional.

Perfil

Marta Cunha licenciou-se em Gestão na FEP, em 1999.
O seu percurso profissional tem sido desenvolvido no grupo Sonae, onde ingressou, em 2000, como Gestora de Preço, cargo que ocupou até 2003. Nesse ano e até 2005 a sua carreira passou pela gestão comercial de têxteis cozinha/ sala. Em 2005 passou a gestora comercial de mesa e em 2009 a gestora comercial de livraria. Em 2010, antes de ocupar o seu cargo atual, foi nomeada Diretora de Aprovisionamento. É desde 2011 Innovation Manager na Sonae. Este ano tornou-se ainda mentora do Programa BIPS – Business Ignition Program, o Curso de Empreendedorismo da U.Porto, que vai já na quinta edição.
Marta Cunha conquistou o prémio de Aluna do Ano 2014 de MBA, atribuído pela AMBA, associação com sede em Londres que distingue anualmente os melhores alunos de MBA na categoria Student of the Year. Marta Cunha foi aluna na edição 2013/2014 do MBA Executivo da Porto Business School.

José Pedro Cabral dos Santos

José Pedro Cabral dos Santos

Vogal do Conselho de Administração e da Comissão Executiva da Caixa Geral de Depósitos, Membro do Conselho de Representantes da FEP

Casos como o do BES e da PT trouxeram para o debate público a questão da qualidade da gestão das empresas em Portugal, tendo o tema sido referido num relatório do FMI, que destacou “que a qualidade dos gestores portugueses também afeta a produtividade dos trabalhadores”. Concorda com esta afirmação? Em que medida a qualidade da gestão em Portugal é um obstáculo ao desenvolvimento e sucesso das empresas portuguesas?

Sem dúvida que a qualidade dos gestores influencia decisivamente a qualidade das empresas, nas diferentes perspetivas em que esta possa ser analisada. E a qualidade dos gestores é importante, não só ao nível do topo da pirâmide hierárquica, como aos seus diferentes níveis.

Ter bons gestores e boas equipas de gestão é decisivo para o sucesso das empresas, quer elas sejam analisadas como um todo, quer sejam analisadas nalgumas vertentes da sua atividade.
Há pouco tempo ouvi de um bem-sucedido investidor internacional que as empresas em que mais gostava de investir eram aquelas que podiam ser geridas pelos piores gestores e serem bem-sucedidas.

Acho que estas empresas não existem.

Na minha opinião não há boas empresas sem bons gestores. E quanto melhores forem os gestores e quantos melhores gestores existirem numa empresa, maior a probabilidade de ela ser bem-sucedida.
Quando, academicamente, se coloca por vezes a pergunta se é melhor uma boa empresa com um mau gestor ou uma má empresa com um bom gestor, a resposta mais indicada é “uma boa empresa com um bom gestor”.

Em Portugal, como em todo o sítio, existem bons e maus gestores e boas e más empresas. O futuro está nas boas empresas e nos bons gestores. O que há a fazer é seguir os seus exemplos.

O que pode ser feito para alterar este cenário? No seu entender a solução passa por intervir no ensino da gestão em Portugal?

A melhoria da qualidade da gestão das empresas pode ser efetuada de diferentes formas, mas é indiscutível que uma boa relação das empresas com as escolas de gestão pode ter um papel determinante.
Para quem chega ao mercado de trabalho e a áreas de gestão é importante que traga a adequada formação e já alguma convivência com boas práticas de gestão existentes no mercado. Esta é a faceta que o mercado está habituado a valorizar nas escolas.

Por outro lado, há empresas e grupos económicos que são verdadeiras “escolas de gestão”, com resultados bem evidentes e que, sem qualquer tipo de hesitação, devem ser tidas como referência e aproveitadas pelas escolas na sua atividade formativa.

A ligação entre empresas e escolas de gestão é mutuamente proveitosa, pelo que deve ser intensificada. Tal ligação é importante, não só na formação anterior à entrada no mercado de trabalho, como naquela que existe cada vez mais no dia-a-dia das escolas.

A minha perspetiva é que, cada vez mais, as escolas devem ser parte do dia-a-dia das empresas e que as empresas devem ser parte do dia-a-dia das escolas.

Foi recentemente eleito membro do Conselho de Representantes da FEP, o órgão máximo da Faculdade, composto por duas personalidades externas. Quais são, na sua opinião, as principais vantagens desta ligação da Faculdade ao meio empresarial?

Foi para mim um motivo de enorme orgulho e satisfação ter sido cooptado para membro do Conselho de Representantes da FEP e, assim, voltar à FEP.

Não vale a pena, por ser tão evidente, referir a importância que tem o Conselho de Representantes no bom funcionamento e sucesso da FEP.

A participação neste Conselho de duas personalidades externas só se justifica se conseguirem trazer uma visão externa, que consiga aportar diferentes experiências e competências e possa evidenciar aquilo que o mercado espera da FEP e aquilo que a FEP pode construir para ser, por ele, cada vez mais e melhor aceite nas suas diferentes solicitações.

Tudo farei para que o meu contributo possa ser importante para tal e para que a FEP esteja cada vez mais aberta e adequada ao mercado e cada vez mais considerada.

Quais são as suas expectativas relativamente ao trabalho a desenvolver pela nova Direção, em particular nas relações entre a Faculdade e o mundo empresarial e do trabalho?

Existe hoje na FEP uma grande expectativa relativamente ao trabalho a desenvolver pela nova Direção.

É importante que todos os que integram a FEP gostem de vir todos os dias para Escola e saiam dela todos dias um pouco mais enriquecidos.

Em paralelo, é também importante que a FEP seja cada vez mais reconhecida como uma escola que não trabalha só para si, mas trabalha para o mundo empresarial e do trabalho, melhorando todos os dias a sua capacidade e qualidade na resposta que dá às suas diferentes solicitações.

Este é hoje o grande desafio da FEP e da sua Direção e estou convencido que os resultados aparecerão a muito curto prazo.

Licenciou-se em Economia pela FEP, a Escola com as médias de entrada mais altas em Economia e Gestão em Portugal. Sente que a preparação aqui obtida foi fundamental para a sua vida profissional?

A minha ligação à FEP é muito grande.

O meu pai licenciou-se no primeiro curso da FEP, o meu irmão também se licenciou na FEP e o meu filho mais novo também.

Por isso, não só tenho a certeza da importância que teve a minha formação na FEP, como tenho bons exemplos lá em casa. E quando falo em formação, não me restrinjo aos aspetos académicos. Aspetos tão importantes como o rigor, o exemplo, a profundidade, a camaradagem e mesmo amizade foram por mim colhidos nos cinco anos que passei na FEP como aluno, marcando e influenciando aquilo que sou hoje pessoal e profissionalmente.

E na minha vida profissional várias vezes tenho-me cruzado com profissionais licenciados na FEP e sinto que estes valores são comungados por quase todos e fazem de nós um grupo especial. Dizer que somos licenciados na FEP é sempre um bom cartão-de-visita.

Como recrutador, quais são as características que privilegia ou que procura nos jovens recém-licenciados ou mestres? É possível identificar características transversais aos diplomados da FEP?

Qualquer recrutador quer rodear-se dos melhores, em qualquer tipo de recrutamento, seja para jovens recém-licenciados ou não.

Sou obviamente suspeito na minha opinião, mas ao recrutar alguém da FEP a probabilidade de sucesso é sempre maior.

Talvez a característica transversal mais evidente dos licenciados na FEP seja a forte e sólida formação de base e aí a FEP cumpre o que o mercado procura.

Que conselho gostaria de deixar aos estudantes da FEP?

Que aproveitem ao máximo a sua passagem pela FEP, que é uma escola que certamente lhes deixará saudades e marcará o seu futuro profissional.

Que tenham sentido crítico, que sejam exigentes com eles próprios e com todos com quem privem.

Que não se limitem a absorver os conhecimentos proporcionados e que questionem sempre as realidades com que se depararem.

Não há melhor sinal do que esse para sentirmos que estamos vivos e que queremos e temos capacidade de intervir e de melhorar tudo aquilo de que somos parte.

E dignifiquem sempre a nossa FEP.

Qual o momento mais marcante e ao mesmo tempo mais enriquecedor na sua passagem pela Faculdade?

Passei muitos bons anos na FEP como aluno e professor. Momentos marcantes e enriquecedores foram muitos.

Como aluno, aprendi muito, cresci, conheci muitas pessoas que me marcaram, fiz amigos e a vida académica proporcionou-me momentos bem agradáveis.

Como professor fiz aquilo que ainda gosto muito de fazer: comunicar, transmitir conhecimentos e ter a necessidade e gosto por uma constante atualização e busca de conhecimento. E desculpem a imodéstia, ver o meu trabalho apreciado.

Mas ver o meu filho licenciar-se na FEP talvez tenha sido o momento mais marcante da minha vida relacionado com a Faculdade.

Perfil

José Pedro Cabral dos Santos licenciou-se em Economia na FEP, onde foi, mais tarde Professor Assistente Convidado (entre 1983 e 1988). O Alumnus da Faculdade que destaca o dia em que viu o filho licenciar-se como o momento mais marcante da sua vida relacionado com a FEP, iniciou o seu percurso profissional na banca, em 1984, na União de Bancos Portugueses. Em 1989 transitou para a Finindústria – Sociedade de Investimentos e de Financiamento Industrial, onde assumiu mais tarde as funções de Subdiretor e Administrador não executivo da Finicrédito. Antes de ingressar na CGD, José Pedro Cabral dos Santos passou pelo Grupo BFE/Grupo BPI no papel de Diretor Coordenador, inicialmente do Banco Borges & Irmão e posteriormente com funções alargadas ao Banco de Fomento e Exterior e Banco BPI.

A entrada na CGD aconteceu em 1998. De Diretor da Direção Comercial Norte passou a Diretor Central da Direção de Grandes Empresas, num espaço de quatro anos. Desde março de 2012 ocupa o cargo de Vogal do Conselho de Administração e da Comissão Executiva da Caixa Geral de Depósitos. Desempenha ainda as funções de Presidente do Conselho de Administração da Caixa Leasing e Factoring, Presidente do Conselho de Administração da Locarent e Vice-Presidente da Caixa Seguros e Saúde desde maio de 2013, entre outros cargos.

“é importante que a FEP seja cada vez mais reconhecida como uma escola que trabalha para o mundo empresarial e do trabalho”

“… ver o meu filho licenciar-se na FEP talvez tenha sido o momento mais marcante da minha vida relacionado com a Faculdade.” 

Ricardo Rio

Ricardo Rio

Presidente da Câmara Municipal de Braga

Licenciou-se em Economia na FEP. Como era a Faculdade no seu tempo?

Eu concluí a minha licenciatura no período de 1990-95, sendo que, na altura em que entrei na Faculdade, a FEP era considerada uma das melhores (senão a melhor) escola de Economia do País, o que era também reforçado por ter das mais altas médias de admissão dos seus alunos.
Fosse pelos contornos do edifício ou pela cultura de exigência que apregoava (e praticava) e que muitos levavam ao limite, a FEP foi sempre vista como uma escola de excelência, capaz de projetar recursos para quadros de elevada responsabilidade na generalidade do tecido económico e financeiro da Região.
Em contraponto, a verdade é que faltava à FEP uma voz ativa enquanto agente de referência no território, como que parecendo tentada a fechar-se sobre o cinzento das suas paredes. Aí, e como sempre acontece em instituições que movimentam alguns milhares de pessoas, havia uma grande heterogeneidade no perfil dos vários docentes e diversas “tribos” entre os seus alunos, pese embora o clima geral de relacionamento entre todos fosse bastante aprazível.

O que é que ainda recorda desses tempos de estudante da FEP?

Esses tempos de Faculdade são marcas indeléveis do percurso que sempre me apraz recordar. Foi na Faculdade que conheci alguns dos meus melhores amigos, que vivi momentos memoráveis de lazer e convívio e que enfrentei desafios aliciantes de aprendizagem e enriquecimento pessoal nos mais diversos contextos.

A minha experiência foi particularmente diferenciadora pela oportunidade que tive de poder conjugar a normal frequência letiva com as responsabilidades que fui assumindo nas Comissões de Ano, na Assembleia de Representantes da FEP ou na Associação de Estudantes.

Em cada um desses âmbitos pude envolver-me em questões do foro pedagógico e científico, na concretização de projetos de índole diversa e na gestão direta de estruturas como o Bar, a Livraria e a Editorial que envolviam mais de duas dezenas de funcionários a cargo e um orçamento não despiciendo.

Com as circunstâncias inerentes ao normal curso das aulas, aos rituais académicos e à sucessão de eventos que marcavam o calendário de cada ano, esses 5 anos na FEP foram, a todos os títulos, uma experiência verdadeiramente fantástica.

Em que medida a sua formação na FEP contribuiu para o seu percurso profissional? Da formação que aqui recebeu, o que destaca como especialmente relevante?

Acho que a ligação é incontornável. É-o em sentido mais estrito, porque a qualidade da esmagadora maioria dos professores me terá aportado as competências necessárias ao desempenho enquanto profissional, sendo que alguns deles (de que citarei apenas o saudoso Manuel Oliveira Marques para não esquecer nenhum dos vivos) terão tido uma influência decisiva na maior apetência por determinadas temáticas.

É-o em sentido mais lato, e ainda no meu caso pessoal e à luz da experiência que vivenciei, porque me despertou a vontade e a capacidade de conjugar diversas áreas de intervenção e atividades em simultâneo, o que se refletiu também nas responsabilidades profissionais que fui assumindo (ora como docente, como formador, como consultor e em entidades e empresas de diversa natureza e sectores de atividade).

Qual a identidade da FEP? Qual a sua especificidade? Quais os atributos que a distinguem? Afinal o que é a Faculdade de Economia da Universidade do Porto?

Comecemos pelo fim: a Faculdade Economia do Porto continua a ser, ainda hoje, a melhor escola de economia do País. E isto precisamente porque mais do que o conhecimento em concreto que os seus alunos obtêm de cada uma das disciplinas que frequentam, a FEP lhes fornece um conjunto de competências que podem vir a ser fundamentais para o seu desempenho profissional futuro: a capacidade de trabalho (e de sacrifício até); o estímulo ao raciocínio analítico; a criatividade; o gosto pelo trabalho de equipa; a diversidade e riqueza do currículo (que nem Bolonha conseguiu ainda aniquilar).

Mas há mais. Ser FEP é respeitar uma história de mais de 60 anos, de profissionais e docentes que todos nos habituamos a admirar, de gerações e gerações de jovens que chegaram com a esperança e partiram com a confiança e a responsabilidade de ser portadores desse espírito e dessa cultura pelos diferentes caminhos que cruzamos.

Tendo em conta o seu percurso académico, que conselhos deixaria aos estudantes da FEP que iniciam este novo percurso académico na sua vida?

A primeira palavra tem que ser naturalmente de felicitação por terem atingido este patamar e poderem usufruir desta oportunidade de se juntarem à Comunidade FEP, desejando-lhes o maior sucesso no percurso que agora iniciam.

Mas, como ouvirão muitas vezes nas salas da Faculdade, “não há almoços grátis” e esse trilho de sucesso exigirá um grande nível de dedicação e esforço na sua vertente estritamente académica, que dependerá apenas da vontade e entrega individual. Nessa perspetiva, procurem fazer um currículo coerente mas diversificado que lhes abra horizontes para diferentes áreas profissionais dentro da esfera económica.

Tirem partido das muitas oportunidades que hoje as estruturas interna e de ligação com o meio exterior propiciam, em particular com o meio empresarial. Enriqueçam o currículo e a sua experiência pessoal em contacto com realidades muito diversas e complementares à sua formação.

E, sobretudo, divirtam-se. Riam, chorem, amem, convivam, celebrem.

Tirem partido dos próximos anos porque, por muitos que se lhes sigam outros muito mais felizes, não haverá outros iguais.

Perfil

Ricardo Rio tem 42 anos, é casado e pai de três filhas.

Nasceu e estudou em Braga antes de se licenciar em Economia pela Faculdade de Economia do Porto, onde completou também a parte curricular do Mestrado em Economia. Concluiu ainda o Curso Avançado de Estudos Políticos do IEP, da Universidade Católica de Lisboa.

Foi Secretário-Geral da Associação Portuguesa de Analistas Financeiros e Diretor do Instituto Mercado de Capitais da Euronext Lisbon. Em paralelo, exerceu durante vários anos a atividade de consultadoria pública e empresarial, tendo sido consultor em diversos Programas da Porto Business School. Ao longo da sua carreira, colaborou com entidades como a CCDRN – Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Norte; a AEP – Associação Empresarial de Portugal; a Associação Industrial do Minho; o IFCTS – Instituto para a Formação do Comércio, Turismo e Serviços; a Pamésa; a Astrolábio; a Universidade Fernando Pessoa; o Instituto de Gestão dos Fundos de Capitalização da Segurança Social; a Fundação para a Ciência e Desenvolvimento da Câmara Municipal do Porto; a Euronext Lisbon; a QI – Quociente de Imagem; a ComunicAction; e diversas Autarquias (por via direta ou pelo trabalho conjunto com a Sigma – Team Consulting).

Prestou ainda assessoria ao Conselho de Administração da Casa da Música e à Fundação Cidade de Guimarães.

Ricardo Rio foi também docente universitário, tendo lecionado na Universidade Fernando Pessoa, no ISAG-Instituto Superior de Administração e Gestão do Porto, na Universidade Lusíada e no IESF – Instituto Superior de Estudos Financeiros e Fiscais.

A nível de cargos públicos, Ricardo Rio é Presidente da Câmara Municipal de Braga desde 2013 e foi vereador na oposição entre 2005 e 2013. É também Presidente do Eixo Atlântico do Noroeste Peninsular, da Comunidade Intermunicipal do Cávado e dos Conselhos de Administração da AGERE – Empresa Municipal de Águas e Resíduos e do Theatro Circo, SA. Foi também membro da Assembleia Municipal de Braga, no mandato de 2001 a 2005. A nível partidário, Ricardo Rio foi Presidente da Comissão Política da Secção de Braga do PSD, de 2002 a 2008; tendo sido também vogal da Comissão Política Nacional do PSD entre 2008 e 2010. É o Presidente da Mesa do Congresso dos ASD – Autarcas Social Democratas.

"Ser FEP é respeitar uma história de mais de 60 anos, de profissionais e docentes que todos nos habituamos a admirar, de gerações e gerações de jovens que chegaram com a esperança e partiram com a confiança e a responsabilidade de ser portadores desse espírito e dessa cultura pelos diferentes caminhos que cruzamos".

Sandra Santos

Sandra Santos

CEO da BA Vidro
Por Catarina Freitas e Margarida Guimarães

“Adorei cá estar e tirei muito partido dos bons professores que tivemos, alguns dos quais ainda cá estão”

Sandra Santos licenciou-se em Gestão na FEP, em 1994 e tem um MBA, pela Porto Business School, concluído em 1999.

Iniciou a sua carreira no Banco Espírito Santo (BES), onde desempenhou várias funções (analista, gerente de balcão e gestora de contas de empresa). Durante esse período foi docente convidada na FEP e FEUP. Em 1999 iniciou uma nova carreira, na indústria, ao integrar a equipa da BA (nesse momento Barbosa & Almeida), uma empresa produtora de embalagens de vidro, onde desempenhou várias funções (controller, diretora financeira, diretora de recursos humanos, diretora de fábrica e CFO). Desde 2014 lidera, como CEO, a Comissão Executiva de um Grupo que conta com 3.800 colaboradores, distribuídos por 7 geografias europeias e fatura cerca de 800 milhões de euros.

Quem é a Sandra Santos?

Uma pergunta difícil logo para começar!

Eu acho que sou uma pessoa perfeitamente normal.

A única coisa que poderá ter feito alguma diferença no meu percurso é que eu acreditei sempre que valia a pena fazer o esforço, particularmente se está em causa alguma coisa que eu quero muito. Na altura da escola, por exemplo, recordo-me que para mim era muito importante ser boa aluna e ter boas notas, porque eu pensava sempre que isso podia um dia ajudar-me a conseguir as coisas que eu quisesse. Tive sempre como grande filosofia de vida: como temos que trabalhar, o ideal é que trabalhemos naquilo que gostamos mais de fazer. Fui gerindo particularmente a minha vida profissional no sentido de nunca estar condicionada a uma escolha e ir fazendo sempre aquilo que eu mais gostava. Acho que atualmente faço algo de que gosto imenso.

O que a fez escolher a FEP para estudar?

Durante o meu período escolar, tentei sempre ser muito boa aluna, porque eu sabia que era na FEP que eu queria entrar. Uma escola privada estava fora de questão, sair da cidade estava fora de questão e tudo o que não fosse a Faculdade de Economia eram coisas que me pareciam menos interessantes. A escolha foi muito simples.

Como era a Faculdade no seu tempo?

Quando eu cheguei à Faculdade o curso de Gestão era muito recente. O nosso ano era o segundo, pelo que éramos poucos alunos e éramos uns privilegiados. Sentia-me privilegiada por cá estar nessa altura, porque o curso estava a ser liderado por quem queria fazer algo muito diferente daquilo que se fazia em Economia o que fazia sentido, na medida em que havia áreas que podiam ser tratadas de maneira muito distinta. Ao mesmo tempo, era uma grande incógnita, pois nós vínhamos sem saber muito bem o que ia ser, mas como eu gosto muito disso, também achei que valia a pena. Quando cheguei cá, encontrei este curso como um grupo realmente privilegiado em que os professores nos tratavam de uma forma muito próxima. Naquela altura, os professores universitários estavam muito distantes dos alunos, mas no curso de Gestão estávamos muito próximos dos professores, porque eles também estavam a construir este curso.
Foi uma época muito especial. Eu adorei cá estar e tirei muito partido dos bons professores que tivemos, alguns dos quais ainda cá estão.

Como foi o seu percurso na FEP?

Concentrei-me muito no que era ter bons resultados, em fazer bons amigos (tenho ainda bons amigos da altura da faculdade!) e tirar partido de um curso que era novo e que abria perspetivas diferentes de carreira e até da visão do mundo.

O que recebeu da formação da FEP que sabe que não receberia noutro local? O que tem de especial por ser aluna da FEP?

Eu acho que, na altura, o que nós recebíamos e que diferenciava o ensino na FEP eram os temas tratados e a forma como os mesmos eram abordados. Poucas universidades tratavam as questões comportamentais e organizacionais. Recordo-me muito bem das disciplinas menos tradicionais ou menos standard e recordo que havia professores que, mesmo as disciplinas mais standard, como a contabilidade, tratavam de uma forma muito diferente. Levei muito o sentido prático, a vontade de trabalhar em empresas. Eu tinha escolhido Gestão exatamente para seguir uma carreira diferente e aqui encontrei muito sentido prático.

Comecei a trabalhar num banco, a fazer um estágio, e fiquei lá mais 4 anos. À medida que o tempo foi passando e eu tive que começar a gerir pessoas, percebi que a faculdade me tinha dado uma base para o fazer. Foi muito curioso perceber que provavelmente tínhamos recebido formação na área dos comportamentos e da organização cedo demais, porque eram disciplinas do primeiro ou segundo ano, e nós não sabíamos o que era uma empresa.

"Na altura, penso que o que nos distinguia era a nossa capacidade de sacrifício e de esforço, porque, como disse, estava-se a criar um curso, em que nem tudo era óbvio, ou pré-definido."

Considera que existem características que sejam transversais aos alunos diplomados da FEP que não estejam tão presentes nos alunos vindos de outras faculdades?

Na altura, penso que o que nos distinguia era a nossa capacidade de sacrifício e de esforço, porque, como disse, estava-se a criar um curso, em que nem tudo era óbvio, ou pré-definido. Isso ensinou-nos a ser suficientemente flexíveis e aceitar que nem sempre a vida pode estar pré-definida à partida. Na altura, quando entrávamos no mercado de trabalho, tínhamos alguma preferência por esse sentido de adaptabilidade; estávamos disponíveis para fazer coisas, quaisquer que elas fossem, quanto mais não seja para experimentar e aprender. Portanto, penso que nessa altura notava-se essa pequena distinção.

Quer deixar um conselho aos atuais e futuros alunos da Faculdade?

Conheçam o que lá está fora e preparem-se para qualquer eventualidade. Acho que vale a pena partir do princípio que há coisas que eventualmente não querem fazer, mas não devem partir do princípio que só devem querer fazer algumas coisas, o que é muito diferente. Devem manter o leque de opções bem aberto e não serem muito exigentes no início.

Acho que os alunos que saem hoje das faculdades são muito exigentes, quer com as empresas que os recebem, quer com eles próprios, porque acham que rapidamente têm que ter poder e muita autonomia.
Estejam disponíveis para aprender!

As pessoas mais bem-sucedidas que eu conheço são as que fazem aquilo que mais gostam; para mim o sucesso é isso, não tem nada a ver com posição, nem com poder, mas sim com acordar todos os dias e ir trabalhar satisfeita. É ser capaz e gostar de aprender, aprender, aprender e no momento em que achamos que não estamos a fazer algo que nos preenche, ter a coragem de mudar.

Devem ter um compromisso com vocês próprios em procurarem e fazerem aquilo que mais gostam, porque a vida de trabalho é dura, em qualquer sítio, apesar de acharem que às vezes há empresas mais difíceis, mais penosas, e outras menos. Trabalhar é difícil, conquistar o espaço é difícil, mas se fizermos aquilo que gostamos de fazer vai custar muito menos e vai ser muito divertido!

Maria Antónia Costa

Maria Antónia Costa

Business Executive do Presidente da Sage Brasil

“Ser licenciada pela FEP é sempre uma boa referência e motivo de orgulho”

Maria Antónia Melo Costa nasceu no Porto. Licenciou-se em Economia, pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto, onde frequentou também o II Curso de Pós-graduação em Análise Financeira. Em 1995 concluiu o Executive MBA em Comércio Internacional ministrado na AEP (Associação Empresarial de Portugal) pelo ESADE (Escuela de Administracion e Direccion de Empresas) de Barcelona. Trabalhou no setor têxtil, primeiro como diretora financeira e depois como consultora de algumas empresas têxteis. Foi também sócia-gerente de uma empresa de representação e comercialização de produtos têxteis. Em setembro de 1995 ingressou na Sage Portugal (então Infologia) como diretora financeira, assumindo o cargo de Country Manager, de outubro de 2014 a setembro de 2016. Desde outubro de 2016 é Business Executive do Presidente da Sage Brasil em São Paulo.

Quem é a Maria Antónia Costa?

Sou do Porto e licenciei-me em 1984, embora tenha entrado para a faculdade no ano letivo 76/77. A meio do meu percurso académico fiz um abrandamento no estudo e comecei a trabalhar numa empresa distribuidora de produtos têxteis, na qual tratava da gestão de clientes. Mais tarde, já licenciada, ingressei no setor industrial. Lembro-me de ter preparado um projeto de investimento para apresentar ao sistema de incentivos então em vigor. Na altura não havia computadores. As projeções eram feitas com a ajuda da máquina de calcular e registadas a lápis em folhas de papel quadriculado. Não imaginam o trabalho que dava fazer qualquer alteração e foi preciso fazer muitas até acertar os valores finais! Depois desta experiência fui fazendo outras coisas, nomeadamente ajudei a organizar algumas áreas, acompanhei a área financeira, negociações com os bancos, etc. Foi muito bom, porque me deu uma visão da gestão da empresa como um todo, da interligação das várias áreas. Depois mudei para uma empresa maior como diretora financeira. Também tive a minha própria empresa; fiz uma sociedade com uma amiga e colega e representávamos algumas marcas de tecidos que vendíamos às empresas de confeção no Norte do país. O meu papel era tratar do back-office e fazer consultoria nalgumas empresas. Em determinada altura mudei para o setor da tecnologia, quando fui trabalhar para a Sage (então designada por Infologia), que desenvolve e comercializa software de gestão, na qual me mantive até hoje. Há um ano e pouco deixei a Sage Portugal, onde desempenhava o cargo de Country Manager, e mudei para a Sage Brasil, onde sou assessora do Presidente. Tenho uma carreira já bem longa, com bastante experiência.

O que a fez escolher a FEP para estudar?

No liceu, quando tive de escolher a área de estudo, tinha a possibilidade de optar por quase todas as disciplinas. Filosofia era uma cadeira obrigatória e depois tinha que incluir as duas disciplinas nucleares para a licenciatura que quisesse fazer. Gostava muito de inglês, francês e português, mas nenhuma das profissões a que os cursos de letras davam normalmente acesso me fascinava. Assim, voltei-me para as ciências, o que fazia sentido já que gostava bastante de matemática e também de geografia. Descobri então um curso que tinha como requisitos matemática e geografia: Economia. Gostei muito do curso de economia na FEP!

Como era a Faculdade no seu tempo?

Entrei para a faculdade dois anos depois do 25 de abril. Era uma época em que a política estava muito presente e na Faculdade de Economia talvez ainda mais. Discutia-se muito sobre ideologias, sobre política, sobre economia e havia alguma radicalização entre a esquerda e o centro-direita; as discussões chegavam a ser muito acesas. Na FEP a esquerda tinha a maioria, sobretudo entre os professores, o que para mim, que era mais centrista, me desagradava bastante. Hoje, olhando para trás e para aquele período da minha juventude, vejo que me serviu para aprender muito no que toca aos ideais, à liberdade e ao respeito pelos outros. Com o passar dos anos o ambiente foi mudando, tornou-se menos politizado e bem mais divertido.

Como foi o seu percurso na FEP?

Demorei mais tempo do que seria de esperar a acabar o curso, principalmente porque a meio comecei a trabalhar e entusiasmei-me com a experiência. O trabalho que inicialmente era para ser um part-time, rapidamente passou a quase full-time, pelo entusiasmo que me despertou. O que me valia era o dono da empresa onde eu trabalhava que me via no escritório fora das horas combinadas e me recomendava que fosse para as aulas! Isto fez-me atrasar a conclusão da licenciatura, mas, por outro lado, ajudou-me muito a perceber e a aprender como funciona uma empresa, as hierarquias, as relações de trabalho. Lembro-me bem de como foi importante para mim ter recebido o segredo do cofre, poucos meses depois de ter começado a trabalhar. Percebi como é importante e gratificante conquistarmos e merecermos a confiança dos outros e isto vale tanto para a vida profissional como para a pessoal.

Qual foi o seu maior feito enquanto estudante da Faculdade?

Não tive grandes feitos; era uma aluna mediana. No quinto ano resolvi deixar de trabalhar e dedicar-me a 100% a terminar o curso. Tinha todas as cadeiras do quinto ano para fazer e ainda algumas cadeiras atrasadas, o que era muita coisa. Comecei a ir às aulas e a passar o dia na faculdade. Tinha um grupo de colegas, com quem estudava e me identificava, que me ajudou muito. Fiz todas as cadeiras até julho, o que nunca tinha conseguido antes, com algumas notas bastante boas. O meu 17 a Planeamento foi memorável! O último exame foi Gestão, que fiz quase só com o que tinha aprendido nas aulas práticas. Lembro-me bem de ter ido ao gabinete dos professores saber a nota e o Dr. Baganha me ter dito “Estou muito desiludido” e eu pensei “chumbei… lá vou ter que voltar em setembro”, mas não… o resto da frase foi: “a colega só teve 12”!

O que recebeu da formação da FEP que sabe que não receberia noutro local? O que tem de especial por ter sido aluna da FEP?

Gosto muito da FEP. A formação que recebi foi muito boa e aprendi muito para além da formação técnica. Os professores da FEP eram muito exigentes, mas muito bons professores. Fazer algumas cadeiras era muito difícil, muitas vezes reprovávamos por motivos que achávamos injustos, mas isso fazia parte da aprendizagem. Na época não havia muitas outras faculdades e portanto a escolha recaia na FEP, Coimbra ou Lisboa. A qualidade dos professores da FEP era indiscutível. A licenciatura em Economia era muito abrangente, com uma componente de gestão e muito forte em contabilidade. Embora nunca tenha exercido a profissão de contabilista, ajudou-me muito ter uma base sólida nesta matéria. Também aprendi muito com os colegas. Tive a sorte de conviver com um conjunto de colegas “Notáveis”.

O que a FEP fez por si enquanto pessoa e enquanto profissional?

A FEP é uma excelente escola. Ser licenciada pela FEP é sempre uma boa referência e motivo de orgulho.

Considera que existem características que sejam transversais aos alunos diplomados pela FEP que não estejam tão presentes em alunos de outras Faculdades?

Durante o meu percurso profissional recrutei muitas pessoas e posso dizer que sempre que escolhi um aluno da FEP a experiência foi boa. Nos últimos anos acompanhei mais de perto algumas das iniciativas que os alunos da Faculdade levam a cabo durante o curso e considero que são atividades que os ajudam muito a crescer, a aprender e a empenharem-se. Aprendem a definir objetivos e a trabalhar para os alcançar, procurando os meios necessários, sejam eles recursos humanos ou financeiros.

Gostaria de deixar um conselho aos atuais e futuros alunos da Faculdade?

Trabalhar muito, com muita dedicação e muito empenho. Nada se consegue sem esforço. Estar sempre a aprender, estar sempre atento ao que se passa à vossa volta, estar atento e respeitar as pessoas, estar atento às oportunidades que vão aparecendo e agarrá-las. Entendo que é difícil quando saímos da faculdade decidir o que queremos fazer, qual a área onde nos vamos sentir melhor, mas isso é normal. O que não podemos é ficar parados à espera que alguém decida por nós. Temos que começar por algum lado e dedicar-nos àquilo que começarmos a fazer com todo o entusiasmo. Depois as oportunidades vão aparecendo. Durante o curso abracem alguns dos projetos que existem na FEP, na medida em que são experiências e contactos muito importantes.