No ambiente urbano, vivem os “sifragus”. É assim que Rui Calejo Rodrigues se refere aos cerca de 15 a 18% da população portuguesa que vivem em locais sobre-expostos ao ruído.
“O ser humano, no seu ambiente, está sempre submerso em ruído. Há cada vez mais sifragus”, afirma Rui Calejo Rodrigues, coordenador do Núcleo de Investigação e Desenvolvimento em Engenharia Acústica (NI&DEA) e criador deste termo. “Na mesma lógica de que náufrago é aquele que ficou sem a nau, sifragus é aquele que ficou sem o silêncio”, explica.
A exposição involuntária a níveis de ruído para os quais não estamos preparados pode ter graves consequências a nível psicológico e mesmo para o aparelho auditivo, que acaba por sofrer com o esforço adicional para se abstrair do ruído. No entanto, esta é uma questão que só há pouco tempo se tornou uma preocupação global.
“Há 20 anos ninguém pensava no problema do ruído urbano a não ser nos meios universitários. Em 1990 entrou em vigor um primeiro Regulamento Geral do Ruído mas foi pouco aplicado. A partir de 2000, com a entrada em vigor do Regime Legal sobre Poluição Sonora, começaram a fazer-se os primeiros mapas de ruído. Em 2007 um novo regulamento traduz as diretivas europeias que obrigam os municípios à elaboração de mapas de ruído”, descreve o especialista.
Mapa de ruído: o instrumento de diagnóstico
O mapa de ruído permite identificar o nível de ruído a que estamos expostos em determinados locais. É desenhado em resultado de um processo longo e cuidadoso. A título de exemplo, refira-se que o mapa para a cidade do Porto demorou cerca de dois anos a ser feito e cada atualização implica cerca de seis meses de trabalho.
O primeiro passo é a identificação no terreno das fontes de ruído. Em relação ao ruído proveniente do trânsito, é feita a contagem de veículos, são identificadas as categorias de veículo, e são medidas as velocidades. São ainda caracterizadas as vias férreas e aéreas e identificadas fontes de ruído permanente (principalmente as indústrias).
De seguida é medida (com equipamento específico) a energia libertada pelas fontes identificadas, dados que são colocados num software próprio, juntamente com a topografia do terreno. É desenhado, então, o mapa que associa cores a diferentes níveis de ruído. Antes de tornar público o resultado, “faz-se ainda uma última medição para perceber se os valores estimados pelo modelo num determinado local correspondem à realidade”, refere Rui Calejo Rodrigues.
O mapa está feito. Já conseguimos então analisar quais os locais com níveis de ruído acima do permitido (65dB de pressão sonora [ver glossário]). “Mas o mapa, só por si, não serve para nada!” adverte o especialista em engenharia acústica, explicando que “é a mesma coisa que alguém tirar uma radiografia onde vê que tem uma perna partida e não a tratar”.
Plano de Redução do Ruído: o que fazer?
Identificados os pontos críticos há que agir sobre eles para que realmente se reduza o ruído urbano. Atualmente a legislação obriga a que os locais sobre-expostos elaborem planos de redução de ruído.
De acordo com o coordenador do NI&DEA, o grande problema nas cidades portuguesas é que as “estruturas foram pensadas numa altura em que não existia este tipo de preocupações e, neste momento não podemos retirá-las”. No entanto, destaca que há sempre algo a fazer.
“Na Via de Cintura Interna, no Porto, por exemplo, registava-se uma pressão sonora de 80db (15db acima do máximo permitido): o impedimento de passagem dos veículos pesados provenientes do Porto de Leixões diminuiu 5dB; a colocação de pórticos de limitação da velocidade para 90km/h diminuiu mais 2 ou 3 dB; a alteração do pavimento reduziu cerca de 2dB. No total conseguimos reduzir os níveis de pressão sonora em quase 10dB.”
A alteração de pavimentos, o controlo da velocidade automóvel, a redução do número de pesados em circulação, a colocação de barreiras de proteção acústica, e a diminuição do número de automóveis dentro das cidades fazem parte das principais ações de redução de ruído urbano. Nos próprios edifícios há também algo a fazer para controlar os níveis de ruído. A construção de tetos com características específicas de isolamento acústico, a colocação de apoios no pavimento para que o som do calçado não se ouça e a colocação de barreiras acústicas são as principais medidas a tomar.
Refira-se que o Núcleo de Investigação e Desenvolvimento em Engenharia Acústica, sediado na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, dá apoio a municípios para a elaboração de mapas de ruído e planos de redução de ruído e a às empresas que produzem estes equipamentos acústicos.
Glossário:
Pressão sonora – Variação média de pressão em relação à pressão atmosférica. O nível de pressão sonora num determinado ponto é expresso em decibels (dB).
Foto: Flickr/Mark van Laere's