Uma equipa de investigadores do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) descobriu que os componentes de bactérias residentes no nosso organismo podem despoletar mecanismos de defesa contra a malária. O objetivo do artigo publicado hoje na revista "Cell" é que o processo possa ser usado como uma vacina e forma de prevenção contra a doença que afeta sobretudo crianças.
Miguel Soares, um dos autores deste trabalho, refere, em entrevista, ao Ciência 2.0, que foi possível identificar um mecanismo potente que já existe há milhões de anos e que pode proteger o ser humano da malária.
O que os cientistas descobriram é que alguns micróbios, como estirpes de Escherchia coli (E.coli), que existem no intestino humano, possuem na sua superfície moléculas de açúcar, conhecidas como glicanos.
A coincidência é que o parasita Plasmodium, agente causador da malária, também tem esta molécula chamada alfa-gal. Através de experiências em ratos, Bahttizar Yilmar, aluno do programa de Doutoramento do IGC, percebeu que a expressão desta molécula nestas bactérias quando presentes no organismo é o suficiente para produzir anticorpos naturais anti-alfa-gal que reconhecem a mesma molécula no parasita.
Neste caso o que acontece é que os anticorpos ativam um mecanismo adicional do sistema imune que vai provocar pequenos furos no Plasmodium, destruindo internamente o parasita.
A equipa de investigadores percebeu ainda que o efeito protetor se estende e pode ser preventivo."Quando presentes em altos níveis no momento da picada do mosquito, os anticorpos anti-alfa-gal conseguem impedir que o parasita transite da pele para a corrente sanguínea, e, ao fazê-lo, bloqueiam a transmissão da malária", refere um comunicado do IGC.
Quem tem níveis mais altos de anticorpos, tem menor possibilidade de ter a doença
Com esta descoberta, Miguel Soares admite ao Ciência 2.0 a "possibilidade de usar este mecanismo numa vacina para imunizar crianças que são os principais afetados por esta doença". "Já sabíamos que as crianças eram as mais susceptíveis a ter malária, mas percebemos que a razão porque o são pode ter a ver com o facto de ainda não terem desenvolvido suficientes anticorpos naturais direcionados contra a molécula de açúcar alfa-gal", acrescenta.
Os investigadores do IGC em colaboração com uma equipa de cientistas do National Institute of Allergy and Infectious Diseases, dos Estados Unidos, e da Universitiy of Sciences, Tecniques and Tecnologies of Bamako, do Mali, chegaram a estas conclusões num estudo de indivíduos numa zona endémica de malária no Mali. Ao contrário do que pensavam, que as pessoas com níveis mais baixos destes anticorpos seriam mais suscetíveis, perceberam que quem tinha níveis mais altos é que teria um menor risco de ficar com a doença.
Durante a investigação, descobriram que quando os ratinhos eram vacinados contra uma molécula sintética de alfa-gal, produziam elevados níveis de anticorpos altamente protetores contra a transmissão da malária por mosquitos.
Miguel Soares admite que não será fácil tentar perceber se o resultado será o mesmo em humanos e se pode ser aplicado. O objetivo dos investigadores é atrair atenção para a necessidade de elaboração de uma vacina que possa ser aplicada em crianças. "Pretendemos continuar a estudar e perceber se existem outros mecanismos que façam o mesmo efeito, mas que possam ser mais eficazes e se há mais bactérias no nosso organismo que tenham esta molécula", remata.
Foto: IGC/Stuka