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Alexandre Vaz
Artigo
Publicado em 19/3/2014 por Cláudia Azevedo

Fotojornalista, nascido em Lisboa, em 1974, Alexandre Vaz tem procurado que o seu trabalho reflita causas como a preservação e conservação da biodiversidade e a divulgação da ciência. Neste momento, está a fazer um documentário sobre a ameaçada calhandra do raso, uma espécie endémica de Cabo Verde, e estuda Sociologia no ISCTE, algo que, segundo o próprio, está dentro do mesmo “caderno de encargos”.

Quando se interessou pela fotografia?

Eu comecei porque tinha um irmão mais velho e um primo da minha idade que gostavam de fazer observação de aves, birdwatching. Na altura (estamos a falar dos anos 80), em Portugal, havia um grupo de meia dúzia de pessoas que trabalhava com aves. Eu e o meu primo começámos a trabalhar com esse grupo, a fazer a trabalhos de Ornitologia, anilhagem de aves, censos, esse tipo de coisas. Portanto, comecei muito miúdo. A minha entrada no mundo da natureza e da biodiversidade deu-se por essa porta.

Na escola, escolhi sempre Ciências com a ideia de que iria estudar Ornitologia, mas depois, por uma série de circunstâncias, que incluem eu não ter tido média para entrar em Biologia em Lisboa, acabei por não ir para Biologia. Isto embora continuasse a observar aves e, aos 18 anos, já fizesse trabalho remunerado na área da Ornitologia. Entretanto, comecei a estudar ilustração, história da arte e fotografia.

Um dia, convidaram-me para colaborar com textos e fotografias numa revista chamada “Fórum Ambiente”, que já não existe, mas que teve um papel importante no panorama das publicações relacionadas com ambiente e natureza. Percebi que era algo que gostava realmente de fazer porque, por um lado, podia estudar e aprofundar assuntos que me interessavam e, por outro lado, podia divulgar e partilhar esse conhecimento com outras pessoas. Foi assim que entrei nesse mercado que, na altura, era pequeno, mas, bem vistas as coisas, se calhar é menor agora, uma vez que o panorama editorial modificou imenso. Antes da crise, havia mais publicações, mais publicidade e, por isso, mais espaço nas publicações para colaborações externas e para freelancers

Durante muitos anos, o meu core business era a fotografia da natureza e vida selvagem, mas depois fui alargando os meus horizontes e trabalhei em áreas muito diferentes, como eventos e espetáculos. Até ao momento presente – um percurso com cerca de 20 anos – fui sempre fazendo coisas na área da fotografia da natureza. A revista onde tenho uma presença mais continuada é o National Geographic Portugal.

Eu gosto, sobretudo, da ideia de reportagem, de contar uma história, sendo que a natureza faz parte de um contexto mais alargado que inclui as relações culturais, sociais, etnográficas, etc. Se tivesse de escolher um rótulo, coisa de que não gosto nada, preferia ser visto como um repórter que trabalha com a natureza num sentido mais clássico – reportagens sobre biodiversidade, espécies ameaçadas, etc., mas também faz abordagens mais abrangentes e holísticas.

O que gosta mais de fotografar?

Bresson, um fotógrafo que é uma inspiração para mim, dizia que a fotografia interessa pouco; o que interessa é a vida. Eu identifico-me com esse pensamento. Eu entusiasmo-me com a beleza do mundo natural, com as relações entre diferentes tipos de organismos, mas também com a relação com as pessoas e com as culturas.

"África é uma inspiração"

E o que mais gostou de fotografar até hoje?

Normalmente, aquilo de que gosto mais é a última coisa que fotografei ou o último projeto que estou a fazer, mas, ainda assim, consigo identificar alguns pontos de viragem, momentos que marcaram o meu percurso. Um deles foi um trabalho que já fiz há muitos anos, pouco depois de começar a colaborar com a National Geographic, que foi um trabalho com morcegos, feito em colaboração com biólogos do ICN e, em particular, com a Luísa Rodrigues. Acompanhei o trabalho de uma equipa que estava a fazer a monitorização das populações de morcegos em Portugal. São animais fascinantes. Gostei muito do ambiente cavernícola. É um trabalho que guardo com carinho.

A partir de 2010, comecei a fazer reportagens em África, em virtude da colaboração com biólogos portugueses que estão a desenvolver trabalho designadamente em Angola, em São Tomé e Príncipe, no Gabão e, agora, num outro contexto, em Cabo Verde. África é um continente onde tudo se vive com muita intensidade – as cores, os cheiros, os paladares… Isso são inspirações para o trabalho fotográfico. Tem sido uma experiência muito interessante.

O trabalho em Cabo Verde, com a Madalena Boto, é inovador porque, em primeiro lugar, foi o primeiro projeto de grande envergadura em que eu não estava só a fazer fotografia ou a escrever, estava também a fazer imagem vídeo. O objetivo é fazer um documentário, que está em fase de pós-produção. O documentário é centrado na calhandra do Raso, uma ave endémica com uma das áreas de distribuição mais restritas do mundo, e no trabalho de conservação que está a ser feito para garantir a sua sobrevivência. Esta espécie ocorre só num pequeníssimo ilhéu, que é o ilhéu Raso, que tem sete quilómetros quadrados. Não existe em mais lugar nenhum do mundo.

A ideia surgiu quando estava a surgir em Portugal um portal de crowdfunding, o Naturfunding, que resulta de uma parceria entre a portuguesa Naturlink e Indiegogo (o segundo maior portal de financiamento comunitário a nível global ). Num contexto em que é cada vez mais difícil arranjar financiamento, pareceu-me uma boa ideia. As pessoas apoiaram-nos de várias formas - não só com dinheiro.

Qual foi a fotografia mais difícil que fez?

Em Portugal, temos algumas espécies muito difíceis de fotografar. Como fotógrafo, tenho qualidades e tenho defeitos. Um dos defeitos é que não sou propriamente o campeão da paciência. Tenho colegas, que admiro imenso, que, se for preciso, passam semanas dentro de um esconderijo à espera que uma espécie muito furtiva e rara apareça. A minha metodologia de trabalho não se enquadra muito bem com armadilhas fotográficas e barreiras de infravermelhos.

Tive, sim, experiências em condições mais adversas. Por exemplo, quando estive em Angola, em 2010, mais concretamente no interior, numa região diamantífera, havia, na altura, muitos conflitos, atentados e terreno minado. Já tive de lidar com esse tipo de dificuldades logísticas.

Há uma tendência na fotografia de natureza para glorificar o trabalho, para dizer que é uma grande aventura. O meu trabalho dá-me imenso prazer e nunca o vi como sendo singularmente difícil. É claro que às vezes andamos metidos em lama até ao pescoço, que somos picados por mosquitos, mas é uma dimensão que eu não procuro realçar.

Também dá cursos na área da fotografia da natureza?

Sim, comecei, por volta do ano 2000, a organizar workshops, por vezes em colaboração com outros colegas da área. Entretanto, esse mercado cresceu bastante e eu desmobilizei um pouco, se bem que me dê muito prazer, ainda hoje, encontrar fotógrafos que admiro imenso e que passaram por esses workshops. Pensar que dei um pequeníssimo contributo, nem que seja pelo meu entusiasmo, é gratificante. De vez em quando, quando surgem convites, ainda dou formação.

Tem novos projetos em vista?

Neste momento, eu e a Madalena Boto estamos concentrados em acabar o nosso documentário. Temos algumas ideias de documentários que gostaríamos de fazer, mas é preciso arranjar formas de os financiar.

"Sou um artesão da fotografia"

É possível viver exclusivamente da fotografia da natureza em Portugal?

É muito difícil e exige uma diversificação de atividades que passa por fazer imagens que se vendam para revistas, jornais ou exposições, por dar cursos e formação e por colaborar em projetos diferentes noutras áreas. Exclusivamente, eu diria que é difícil em qualquer parte do mundo. Eu frequento fóruns de discussão de fotógrafos da natureza que são muito dominados por norte-americanos e alguns, que são extraordinários e premiados, não o são em full time. São informáticos, médicos, reformados que têm dinheiro para gastar. Há uma subamostra muito pequena que vive exclusivamente da fotografia da natureza. Não é uma vida fácil, mas podemos viver experiências ímpares. Se a pessoa conseguir arranjar forma de sobreviver complementando com outras coisas, é um caminho muito interessante.

Esta área é suficientemente reconhecida?

Uma maneira de responder é traçar um paralelo entre o mercado europeu e o norte-americano. Na Europa, e em Portugal em particular, não existe o fotógrafo de natureza celebridade, que vende as suas fotografias, tem a sua galeria e faz exposições, como acontece com alguns fotógrafos norte-americanos. Aqui há um mundo bastante segmentado da fotografia como objeto de arte, mais concetual, mais hermético, onde a fotografia da natureza não entra, por regra, e é vista como uma disciplina menor em que não há um trabalho de maturação intelectual daquilo que é fotografado. Depois, há a fotografia eventualmente como elemento decorativo, que se pode pendurar na parede de um consultório.

Eu contento-me em ser um artesão da fotografia. Assim haja mercado para eu poder partilhar o meu trabalho. Michael Nichols, fotógrafo da National Geographic, uma vez deu uma palestra em Portugal em que disse: “eu quero que as pessoas gostem das minhas fotografias, não faço questão que  saibam que eu sou". Eu também fico muito satisfeito se souber que as pessoas viram o meu trabalho e que se identificam com ele. Não trabalho para ganhar dinheiro; ganho dinheiro para poder continuar a trabalhar e a fazer aquilo de que gosto e que sei fazer.

 

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Foto: Alexandre Vaz                   

 

 

 

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