O Ciência 2.0 quer dar-lhe a conhecer fotografia da natureza made in Portugal. O que têm os profissionais da área para lhe contar? Vamos estar regularmente à conversa com eles. Descubra tudo aqui!
Luís Ferreira é o primeiro de uma sucessão de entrevistas com fotógrafos da natureza. Tem 30 anos, é designer de formação e já exerceu várias atividades ligadas à imagem até se dedicar a tempo inteiro à fotografia de Natureza, há cerca de dois anos. O seu trabalho revela um mundo desconhecido da maioria das pessoas, de uma beleza raramente vista. A relação que cria com os seres que fotografa, ajuda-o a fazer a ponte entre o homem e a natureza para a sensibilização no que respeita à conservação e valorização das espécies. Luís participa frequentemente em exposições de fotografia coletivas e individuais. Dinamiza ações de sensibilização sob o tema: “Educar a preservar!” em escolas, com crianças com idades a partir dos cinco anos, promovendo assim a conservação da natureza em Portugal. Publicou trabalhos em revistas como a "National Geographic", a "Super Foto Prática", "Foto Digital", "Zoom", "Azulejo Cultural Almanaque" e "Pardela".
Como surgiu o interesse pela fotografia?
O interesse surgiu de uma forma natural, através do meu tio. Ele tem máquinas fotográficas, fazia viagens pelo mundo inteiro e gostou sempre de mostrar à família os lugares remotos por onde andou. Foi isso que me fascinou! Até que um dia ele me deixou usar uma máquina fotográfica e o resultado foi ótimo. Essa fotografia foi o ponto de partida para esta paixão, e não parei de fotografar.
Sempre fez foto de Natureza?
Primeiro o interesse surgiu pela fotografia em geral, depois surgiu a paixão pelo contacto com o campo, ir para o meio da floresta, explorar…e foi isso que me fez querer fotografar a natureza.
Foi desenvolvendo a sua formação nesse aspeto?
A minha formação na fotografia foi completamente auto-didata, muito na base de partilhar o meu trabalho em comunidades, e ler muitos livros e artigos na Internet.
O que fotografa? Um pouco de tudo ou é especializado em algo?
Estou a especializar-me um pouco, pelo menos desde o último ano, estou mais concentrado nos arquipélagos da Madeira e dos Açores. Tenho trabalhado muito com aves marinhas. O local onde eu gosto mais de fotografar é nas ilhas selvagens.
Qual o trabalho que lhe deu mais gosto fazer?
Provavelmente, foi fotografar a freira-do-bugio , nas ilhas Desertas, na Madeira. Os acessos são incríveis: temos de ir de barco da marinha; depois de bote, em condições extremas, de mar revolto; subir escarpas enormes. E essas fotografias resultaram num artigo na "National Geografic".
Quais as maiores dificuldades que enfrenta um fotógrafo da natureza?
O mais complicado, numa primeira fase, é conseguir autorizações para aceder aos locais. E, depois, claro, vender o seu trabalho.
Conseguir uma boa foto é muito trabalhoso?
É bonito pensar que sim, mas se às vezes temos fotos que resultam de vários meses de trabalho, há outras alturas em que a oportunidade surge e se formos rápidos e estivermos bem apetrechados conseguimos uma boa foto. Depende imenso da sorte e do animal que estamos a fotografar.
Já passou alguma situação de perigo ou maior desconforto para conseguir uma foto?
Com acessos aos locais, sim. Talvez o Bugio tenha sido o local mais perigoso onde já estive: tivemos de andar em zonas de escarpa monstruosa e atravessar em áreas de gravilha, em que é muito fácil um pé escorregar.
Como é o processo criativo, vai sempre para o terreno com uma ideia fixa do que quer fotografar?
Tenho sempre um plano. Estudo o que já está feito para me diferenciar do trabalho de outros, ter o meu ponto de vista. Procuro levar tudo bem estipulado a nível de ideais fotográficos e ter bem definido as espécies que quero fotografar.
Como consegue o equilíbrio entre a proximidade necessária para uma boa foto e a distância mínima para não interferir com o que está a fotografar?
Os animais são flexíveis nesse ponto, na medida em que se nós tivermos cuidado nas aproximações e eles não nos sentirem como um perigo, permitem-nos contactos muito próximos, sem problemas.
Normalmente é contratado para que tipo de trabalho?
Quando há contratação é principalmente para projetos de conservação. A maior parte das vezes trabalhamos em regime freelancer. Procuramos bons projetos, boas ideias e a partir daí tentamos vender, que é, no fundo, o que costuma acontecer em qualquer área artística.
Como define o estado de desenvolvimento da fotografia de natureza em Portugal?
Está a surgir neste momento um movimento enorme. Eu lembro que quando comecei a fotografar natureza, e ainda não imaginava vir a tornar-me profissional da área, há uns anos largos, éramos pouquíssimos. Neste momento existem novas correntes e comunidades que estão a nascer. Está muita gente a começar a fotografar natureza, o que é ótimo porque a concorrência aumenta o nível de qualidade, para além de que nos dá outro suporte a nível de pedidos de autorização para aceder a certos locais e certos animais.
Qual é, para si, a importância de um fotógrafo da natureza no panorama geral da ciência?
O fotógrafo de natureza acaba por ser uma mais-valia junto dos trabalhos que se podem fazer a nível de conservação. Trabalhando em conjunto com equipas especializadas conseguimos levar a mensagem do que é preciso conservar e das espécies ameaçadas, muito mais facilmente às pessoas, fazendo com que elas se sintam de alguma forma ligadas aos animais que estão nas imagens. A nossa ideia é sempre levar alguma mensagem às pessoas, seja de conservação, ou de dar a conhecer determinada espécie. É preciso passar a ideia de que os animais estão no meio de nós, fazem parte da nossa natureza e necessitam de uma especial atenção.
A nível pessoal o que destaca como mais enriquecedor na sua atividade?
Acabamos nós próprios por ter algumas surpresas, e esse conhecimento é fascinante. Saber, por exemplo, que aves como os cagarros vivem sempre em alto mar, que vivem 60 anos, que num ano conseguem percorrer desde a Europa até Marrocos, Brasil, Norte da América, é fantástico! Tenho muito mais conhecimento, e o principal de tudo é conhecer o meu país da forma como conheço… Sou um privilegiado porque já estive em locais únicos a que pouca gente tem acesso, só mesmo biólogos, investigadores ou conservacionistas.
[Ver galeria de imagens do autor]
Foto: Luís Ferreira