Antibióticos. Um medicamento que praticamente cada um de nós, pelo uma vez na vida, já tomou. Tendo como mote o alerta recente dado pela Organização Mundial de Saúde que coloca a resistência bacteriana num patamar de ameaça para a saúde pública, o Ciência 2.0 explora neste artigo as origens e os perigos associados ao consumo destes importantes fármacos.
Presentes no nosso corpo desde sempre, as bactérias têm com o ser humano uma espécie de acordo. Em troca de abrigo, dão um contributo importante para perceber a nossa suscetibilidade a doenças por exemplo, mas a relação nem sempre é a mais saudável, quando também matam de forma significativa, criando resistências e mecanismos de defesa contra as "agressões" da ciência.
E como é que as bactérias se defendem? Viajemos para dentro do corpo humano numa situação em que são "agredidas" por um antibiótico: "Elas reconhecem as ameaças e são capazes de transformar o seu código genético ou de arranjar bombas dentro de si próprias que expulsam os antibióticos", explica em entrevista ao Ciência 2.0, José Artur Paiva, Diretor do Programa de Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos da Direção-Geral da Saúde e professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).
Quando este contra-ataque acontece, a consequência é que estes medicamentos perdem o seu efeito, perde-se a batalha e quanto mais resistente for a bactéria causadora de uma infeção mais difícil é de a tratar. O que se tem vindo a fazer são batalhas persistentes entre a ciência e as bactérias, num confronto que, segundo o médico, pode ser evitado.
Portugal está entre os 10 países europeus com elevado consumo de antibióticos na comunidade e a taxa de prevalência de infeção hospitalar é superior à média europeia, rondando os 10 %. Estima-se que na Europa morram, anualmente, devido à resistência a estes fármacos, 25 mil pessoas, facto que tem preocupado especialistas de todo o mundo. [ver recursos]
Utilização excessiva de quinolonas
"Não somos dos que mais prescrevem antibióticos", refere José Artur Paiva. "Em Portugal o que temos são dismorfias de prescrição e uma sobreutilização de uma família de antibióticos que causa muitas resistências e que muitas vezes nem é necessária."
O docente refere-se ao grupo das quinolonas, muito prescritas no âmbito dos cuidados de saúde primários, e associadas, por exemplo, às infeções urinárias. "Estamos a conseguir reduzir o uso destes fármacos ao longo dos anos e precisamos de continuar a fazê-lo", refere.
Para o efeito, foram criadas normas para o tratamento destas patologias. Uma das bactérias que tem criado resistências a este grupo de antibióticos é a Escherichia coli. Este microrganismo tem desenvolvido mecanismos, como a produção de enzimas que destroem os antimicrobianos administrados.
Mas o docente alertou para um outro caso, nos hospitais, que se tem vindo a revelar preocupante. "Usamos exageradamente uma família de antibióticos com mais largo espectro que são os carbapenemos" [ver glossário]. Estão associados ao tratamento de infeções hospitalares graves em vários órgãos como a pele, o pulmão ou o abdómen. Bactérias como as Enterobacter começam a criar resistências a este importante grupo de fármacos. "Esta é a nossa última arma. É o antibiótico mais potente. E devemos de alguma maneira ter uma atitude de reserva para os preservar, de forma a não perdermos a eficácia deste fármaco que nos pode ajudar a resolver situações que de outra maneira não poderiam ser resolvidas", alerta o docente.
"Não se automediquem"
"Temos de usar antibióticos só quando realmente são necessários", frisou. Algo que na Europa não tem acontecido com a frequência que seria desejada e em Portugal, em particular, também não.
Mas quais os perigos e as diferenças dos antibióticos em relação a outros medicamentos? "A diferença é que os efeitos laterais dos antibióticos não se estimam só naquela pessoa que os está a tomar, mas também na sociedade, globalmente". Como? Através das excreções que passam para o meio ambiente, por exemplo.
Num alerta que vai diretamente para os pacientes, José Artur Paiva apela a que "não se automediquem" e, no caso de sobrarem antibióticos, não guardar a caixa ou não deitar na sanita ou no lixo doméstico. Primeiro, porque a tentação é grande de usar no futuro e depois, porque se for para o lixo, volta para o meio ambiente, afetando outros. Entregá-los à farmácia é a atitude a tomar, diz-nos o professor da FMUP, acrescentando que o tratamento deve ser cumprido escrupulosamente durante o número de dias estipulado pelo médico, sob pena de estar a dar mais uma benesse à bactéria para se tornar mais resistente. [ouvir recursos]
A sensibilização, segundo o especialista, tem um papel fundamental. Dados do Eurobarómetro 2013 apontavam para o facto de a maioria dos portugueses pensar que os antibióticos curam gripes e constipações. "A consciencialização do público leva a uma redução da prescrição porque hoje em dia a relação médico-doente é uma relação partilhada em que as pessoas se influenciam mutuamente."
Perante uma situação apelidada como perigosa – "são cada vez menos os novos antibióticos que estão a surgir e cada vez mais as resistências aos antibióticos já existentes" – há várias ações para qual o médico chamou a atenção.
Apostar na prevenção
A gestão, devido ao problema da criação de novas resistências aos novos medicamentos que vão sendo lançados, é muito importante. Uma outra solução, para além da sensibilização, é evitar a necessidade de prescrição destes fármacos, prevenindo as infeções. É aqui que surge a campanha e a necessidade de lavar adequadamente as mãos, ato tão reforçado a propósito da gripe A em 2009, mas que apresenta vantagens e repercussões a toda a altura. Estas e outras recomendações para a comunidade médica permitiram algumas alterações de comportamento. "A taxa de adesão à higiene adequada das mãos aumentou para os 70%, mas precisamos de atingir patamares mais elevados ainda", revela. [ouvir recursos]
Enquanto se aposta na prevenção, o docente admite que, a longo prazo, há uma medida "inteligente" a abordar. Consiste na criação de "metodologias para eliminarmos a doença infeciosa sem matarmos a bactéria". "Se nós não agredirmos a bactéria, ela não terá tendência a desenvolver estes mecanismos de resistência porque não se sente ameaçada", justifica.
Sobre o futuro, existem novos medicamentos em desenvolvimento, tendo como alvo as bactérias gram-positivas (Staphylococcus aureus e Enterococus) e as bactérias gram-negativas para as quais estão a ser estudados mecanismos de inibição do efeito de resistência provocado.
Não só são armas potentes que devem ser preservadas, como a questão económica, o interesse da indústria, face a medicamentos de uso para a vida, como os do tratamento da diabetes, e o tempo de desenvolvimento são fatores que ganham um considerável peso neste tema. "A sociedade terá de saber legislar para tornar mais apetecível o investimento no desenvolvimento de novas moléculas, porque é realmente importante que apareçam novos antibióticos com atividade em bactérias mais resistentes", reforça.
Glossário:
Antibióticos de largo espectro: são antibióticos que se podem aplicar à eliminição ou inibição de uma grande variedade de bactérias.
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