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© Susana Pereira
Artigo
Publicado em 13/4/2012 por Renata Silva

Imagine que à sua volta tem: uma tábua de cortar alimentos, uma faca, um frango e um tomate. O que vai arranjar primeiro entre estes dois alimentos? Provavelmente, o frango, visto que demora mais tempo a preparar. O que acontece a seguir é um filme onde poderia gostar de fazer rewind.

O frango está contaminado por microrganismos patogénicos, como é o caso da Salmonella [ver glossário]. Estes microrganismos vão ser certamente eliminados pelo calor, quando o cozinharmos. Mas e o que acontece ao tomate cortado na mesma tábua e com a mesma faca? Fica contaminado por esse microrganismo. Aí, como se diz na gíria portuguesa, o caldo está entornado.

Trata-se da contaminação cruzada, ou seja, a transferência de microrganismos de um alimento contaminado para outro alimento. “É responsável por muitas das toxi-infeções alimentares”, refere Fernando Tavares, docente que leciona a disciplina de microbiologia alimentar na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP).

Podemos considerar que existem três grupos de microrganismos, de acordo com os efeitos nos alimentos: os produtores de alimentos, fermentadores fundamentais no caso dos iogurtes, os deteriorantes e os patogénicos. Estes últimos dois grupos são os que contribuem para que o alimento se estrague, quer esteja dentro ou fora do prazo. Os deteriorantes podem não ter um impacto direto na saúde pública, mas são responsáveis pelas “alterações de cor, sabor e cheiro dos alimentos”. Por último, mas não o menos importante, existem os patogénicos que, se não forem eliminados, podem causar infeções e/ou intoxicações alimentares, pois “libertam toxinas que representam um risco para o consumidor”, explica ao Ciência 2.0, Margarida Moldão, docente do Instituto Superior de Agronomia, da Universidade Técnica de Lisboa e especialista em processamento e conservação de alimentos.

Muitos destes microrganismos desenvolvem-se mais facilmente em alimentos de origem animal, ricos em proteínas, “e que oferecem condições nutritivas e físico-químicas mais adequadas ao crescimento destes micróbios”, esclarece Fernando Tavares.

Camarão e ovos caseiros são alimentos a ter em atenção

“Se abrirmos uma embalagem hermeticamente fechada [de um frango por exemplo] e deixarmos o conteúdo em contacto com o ar, esses microrganismos entram em contacto com o alimento e a partir daí ele tem todos os nutrientes que os microrganismos necessitam para se desenvolver”, alerta, por sua vez, Victor Freitas, professor catedrático do Departamento de Química e Bioquímica da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.

Um bife ou um frango, por exemplo, podem ser cozinhados, eliminando-se e inativando-se as bactérias pelo calor. Mas o mesmo não acontece com uma salada, um queijo feito de forma artesanal, ou com um mousse caseira.

Segundo estes especialistas, devemos virar a nossa atenção para alimentos como os ovos caseiros, que podem conter salmonellas, bactérias muito perigosas, ou o camarão, um alimento com reduzida acidez e que tem de ser muito bem cozinhado.

Uma toxi-infeção alimentar “pode provocar náuseas, mau estar, cansaço, fadiga e em último caso levar à morte do consumidor”, alerta, por sua vez, Victor Freitas.

Dependendo do nível de acidez, do pH, da temperatura e da quantidade de água presente no alimento, podemos dizer que este é mais ou menos suscetível de se estragar. É também com base nestes dados que se determina o prazo de validade que este vai ter.

Fora do prazo pode não ser perigoso, mas perde qualidade

Por exemplo, no caso dos congelados, como estão protegidos por temperaturas muito baixas, mesmo que passe o prazo de validade, não representam, segundo Margarida Moldão, “à partida nenhum perigo para a saúde”. Podem sim, no caso da carne ou do peixe, ficar mais escuros e mais secos, perdendo qualidade e nutrientes.

Também as massas, os cereais e as bolachas, fora do prazo de validade, podem não representar perigos para a saúde pública. Quer estejam fora ou dentro do prazo, a ação dos microrganismos é dificultada pois têm pouca água. “Nas bolachas nem sequer os fungos se desenvolvem”, afirma a docente. Assim, quanto mais seco o alimento, mais difícil é de se estragar. De qualquer das formas, o melhor é mesmo não deixar passar o prazo de validade para preservar a qualidade dos alimentos. Quando este é ultrapassado ou quando o alimento não está bem acondicionado, podem existir microrganismos deteriorantes que vão segregar enzimas e tornar alimentos, como as bolachas, mais moles e por isso mais desagradáveis.

Em tempos de crise, há que aproveitar todos estes alimentos que devem estar numa “despensa fria, escura e seca”, de acordo com Margarida Moldão. No entanto, sublinha-se a importância de seguirmos todas as instruções nos rótulos. Embora não representem um risco para a saúde, no caso dos alimentos secos, dos sumos, entre outros, um alimento consumido fora do prazo já não tem os mesmos benefícios e os nutrientes. Pode não ser um prejuízo, mas não será certamente um benefício. O importante é organizarmos – a despensa, o frigorífico e o congelador - por datas, seguindo a técnica “First In, First Out”, que, segundo a docente, permite que os primeiros alimentos a sair tenham sido os primeiros que foram armazenados (com data de validade mais curta).

 

Glossário:

Salmonellas: Bactérias patogénicas que se encontram presentes em variados alimentos, principalmente carne de aves (80 por cento da carne de frango crua tem esta bactéria), de porco e ovos;

Foto: Susana Pereira

 

Este artigo deu origem a uma pergunta no quiz de ciência LabQuiz, um divertido jogo desenvolvido pelo Ciência 2.0 para Android e iOS.
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