António Luís Campos completa este ano uma década de carreira na fotografia de natureza! As colaborações com a revista National Geographic têm estado no centro desta sua atividade, onde a motivação é “mostrar às pessoas o quanto o mundo natural pode ser apaixonante”.
Depois de uma licenciatura em engenharia eletrotécnica, como surge a fotografia de natureza na sua vida?
Desde muito novo que fazia parte da QUERCUS com a qual fazia muitas saídas de campo e observações de animais, e o gosto pela natureza foi-se tornando uma parte importante da minha vida… A fotografia surge, por um lado, porque tinha muitos amigos que já fotografavam; por outro lado, pela vontade de trazer para casa um bocadinho daquilo que ia vendo. Além disto, o meu pai tinha sido fotógrafo amador quando era novo e, portanto, eu tinha máquinas fotográficas antigas lá por casa nas quais acabei por pegar e começar a fotografar. Passados uns meses, tive de comprar a minha primeira máquina fotográfica! Entretanto acabei o curso de engenharia eletrotécnica e ainda trabalhei alguns anos na área, mas em 2003/2004 decidi dedicar-me inteiramente à fotografia. Desde aí é a minha área de eleição.
O que o levou a tomar essa decisão?
Embora gostasse da área em que estava a trabalhar (energias renováveis), já há algum tempo que andava a pensar dedicar-me a 100% à fotografia. Depois houve uma altura, que coincidiu com o nascimento da minha filha, em que decidi dar esse passo. Já trabalhava com a National Geographic, e passei a ter colaborações mais regulares.
Começou, então, pela fotografia de natureza?
Sim, durante algum tempo praticamente só fotografei natureza. Depois, em colaboração com a National Geographic, pelo tipo de revista que é, foi surgindo oportunidade de fotografar outras temáticas.
Que características ou requisitos tem de ter um bom fotógrafo da natureza? O que distingue este trabalho fotográfico de outros?
Em primeiro lugar, é preciso ser um naturalista amador… No meu caso, não tenho nenhuma formação na área das ciências naturais mas gosto imenso da parte da avifauna, das borboletas e sou um apaixonado pelas temáticas ambientais. Portanto há esta pré-condição de termos gosto e curiosidade em aprender e observar. Depois há características mais específicas: é preciso conhecer os temas que se vai fotografar; ter bastante paciência - seja em fotografia de abrigo em que temos de ficar muitas horas dentro de um abrigo, seja em macrofotografia, em que é preciso muita insistência até obtermos a imagem que idealizamos; temos também de ter um grande gosto pelos espaços naturais porque grande parte das fotografias interessantes surgem em condições atmosféricas adversas, seja chuva, neve, nevoeiro, etc.
Fauna, flora, paisagem… O que lhe dá mais prazer fotografar, e o que tem trabalhado mais?
Fauna, e em particular as borboletas! Eu publiquei um livro, que se chama “Metamorfose”, só sobre borboletas, para além de vários artigos. O meu primeiro trabalho para a National Geographic foi precisamente uma borboleta. Isto porque eu colaborava com amigos que eram estudiosos entusiastas das borboletas, e passei vários anos a fotografar borboletas… Em relação às diurnas há o interesse especial de ser algo que as pessoas sabem que é bonito, mas não há muitas fotografias de espécies para além das mais convencionais. Mas sobretudo interessam-me as borboletas noturnas, que as pessoas imaginam como feias, peludas, cinzentas, e na verdade há borboletas lindíssimas. Conseguir mostrar essa vertente é consciencializar o público para a beleza do património natural que temos, sobretudo em Portugal.
“A fotografia de natureza tem uma função primordial: a comunicação”
Na sua opinião é esse o principal papel da fotografia da natureza?
Na minha opinião a fotografia de natureza tem uma função primordial, que é a da comunicação. Os fotógrafos de natureza em geral têm a consciência de que a fotografia é muito importante para mostrar ao público o porquê das coisas - para perceber como o meio natural pode ser um importante recurso, inclusivamente económico, para a consciencialização da importância da preservação da natureza… Muitas vezes as pessoas só acreditam quando vêm!
Completa 10 anos de colaboração com a National Geographic. Que balanço faz?
Tem sido muito interessante sobretudo porque há uma grande variedade de temas que podem ser trabalhados nesta revista. Eu comecei com fotografia de natureza, passei pela fotografia de quotidiano, documental, e neste momento estou a trabalhar sobretudo em temas de ciência, história e tecnologia. Por outro lado, é das poucas revistas em que a fotografia tem primazia sobre o texto, e isso dá muito prazer… Este sábado vou inaugurar uma exposição no Museu de História Natural e da Ciência de Lisboa, que retrata estes 10 anos. É uma instalação que vai ter essencialmente fotografia, mas onde também vão estar os exemplares da revista com os artigos em que as fotos foram publicadas, uma parte de slide show e um vídeo sobre o meu trabalho enquanto fotojornalista. Na inauguração vai haver uma palestra em que iremos ver algumas fotografias que nunca foram publicadas, e estarei a contar também algumas estórias que estão por trás daquilo que se vê na revista.
Para além dos trabalhos para revistas, que outros trabalhos costuma desenvolver?
Tive durante vários anos o projeto pessoal da publicação de um livro sobre borboletas. Entretanto, já depois desse, publiquei mais dois livros sobre o património natural e cultural da região centro: um subordinado ao tema da água, outro mais sobre os recursos existentes… Foram dois projetos grandes que me ocuparam bastante. Mais recentemente comecei a colaborar com uma agência de viagens-aventura, onde sou guia de viagens fotográficas, algumas mais voltadas para a componente natural (por exemplo os Açores ou os Alpes), outras mais para a componente cultural (como Marrocos, etc.). Tenho investido bastante tempo nesta área porque, por um lado, tenho o gosto de estar em contacto com as pessoas, ensinar-lhes fotografia e partilhar experiências; por outro lado consigo aliar isto tudo à viagem, outra paixão que tenho.
Já passou por vários países. Onde gosta mais de fotografar?
O sítio onde tenho trabalhado mais e com o qual mais me identifico, é os Açores. Aliás, estou neste momento a fazer um trabalho sobre a vida quotidiana nas várias ilhas dos Açores, incluindo também a componente natural e a paisagem. Acho realmente um local fenomenal!
Como define o estado de desenvolvimento da fotografia da natureza em Portugal? Ao longo da sua carreira tem notado alguma evolução?
Nos últimos anos, com o advento da fotografia digital, surgiu muita gente nova a fazer bons trabalhos e a poder divulgá-los, sobretudo através da internet, o que é muito positivo. Depois, em Portugal temos problemas e vantagens… É uma vantagem o facto de termos um património natural fantástico, e pouco conhecido, por isso o que se faz facilmente é novidade. Mas, por outro lado, infelizmente temos um público pouco sensível a isso. Muitas vezes os profissionais têm de ter também outro tipo de trabalho para manter a parte da fotografia da natureza…
Esta questão económica é a principal dificuldade para um fotógrafo da natureza?
Não é a única, mas de facto é uma grande dificuldade. Torna-se mais difícil num contexto de crise, até porque a fotografia não é um “bem essencial” para a maioria das áreas, como tal, é das coisas em que se corta primeiro. Ainda assim, eu acho que se uma pessoa for empenhada e competente, em qualquer área, consegue singrar! Não é impossível! É preciso ter uma forma pessoal de trabalhar, ser persistente, ter brio, procurar ir além das coisas banais que qualquer pessoa pode fazer, apurar a componente estética, e investigar bem os temas que se fotografa… Ser criativo é fundamental!
E como é o seu processo criativo? Conseguir uma boa foto é sempre muito trabalhoso, ou às vezes é uma questão de sorte?
As duas coisas. Há imagens que são oportunidades, e não propriamente uma questão de sorte… Se uma pessoa estiver muito tempo no campo é provável que tenha essa “sorte”, se estiver em casa, no sofá, é mais difícil que algo aconteça - a sorte faz-se! Há também muitas fotografias que são pensadas, são projetos que procuramos concretizar. Há sempre um misto de preparação, com inspiração e um pouco de sorte.
“Tive que "afogar" cerca de 5 mil euros de equipamento fotográfico”
Pode contar-nos alguma história engraçada ou peripécia que tenha acontecido durante o seu trabalho?
Sim… Uma das coisas mais insólitas que eu tive foi numa reportagem para National Geographic, no Alentejo. Tinha de fotografar uma colónia de abelharucos que estava do lado de lá de um rio, e as investigadoras que estavam comigo disseram-me que era preciso atravessar o rio. Eu pensei que seria um riacho pequeno, mas a verdade é que não tinha pé, por isso tínhamos de ir mesmo a nado, e tinha cerca de 30 metros de largura… Coloquei a máquina em cima da cabeça, julgando que não haveria problema, mas a meio do trajeto comecei a “beber uns pirolitos” e tive de tomar a decisão: ou me afogava ou “afogava” o equipamento para poder nadar debaixo de água. E, portanto, tive que conscientemente “afogar” cerca de 5 mil euros de equipamento fotográfico. Foi assim das coisas mais aborrecidas que me aconteceram!
Este trabalho em contacto direto com os investigadores científicos é usual?
Sim, a grande maioria dos trabalhos mais específicos acaba por ter intervenção de biólogos ou outros especialistas que estão em campo, porque são as pessoas que realmente estão em contacto com as espécies e por isso conhecem os locais, conhecem os hábitos, permitem contactos… Para nós são uma grande ajuda, assim como a fotografia é muito importante para o trabalho deles… É uma colaboração de parte a parte.
A nível pessoal o que destaca como mais enriquecedor nesta atividade?
Em primeiro lugar o contacto com a própria natureza, que é extraordinário! E também o facto de podemos encantar outras pessoas que não tiveram oportunidade de ter esse contacto, muitas vezes surpreendê-las com temas próximos das suas realidades, mas que elas desconhecem. Acho que não há nada mais interessante do que mostrar às pessoas o quanto o mundo natural pode ser apaixonante!
Que projetos tem para o futuro?
No imediato estou praticamente de partida para uma expedição na Amazónia. Antes estarei no Perú e na Bolívia, na montanha, e depois irei então com mais três colegas fazer o percurso de La Paz até Belém, por via fluvial, na zona de Manaus. O outro grande projeto neste momento é o que estou a preparar sobre os Açores, como já referi…
Sente-se realizado com o seu trabalho?
Sim, sem dúvida! Nem tudo é tão romântico quanto parece, e há uma parte bastante intensa de preparação, muito tempo passado a programar coisas... Mas sim, sinto-me realizado e pretendo manter-me nesta área!
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Foto: António Luís Campos