Cada vez mais pessoas usam novos e melhores telemóveis, tablets e outros gadgets. Contudo, para muitos psicólogos, o rápido progresso tecnológico poderá ter um impacto muito prejudicial no desenvolvimento cognitivo, em particular na nossa memória.
De acordo com uma sondagem recentemente publicada pela Universia Portugal, "91% dos jovens ibero-americanos não pode estar sem o seu smartphone".
Em entrevista ao Ciência 2.0, Daniela Silva, psicóloga e mestre em Psicologia na Universidade do Minho, e Pedro Albuquerque, líder de um grupo de investigação da memória humana na mesma instituição, explicam como os efeitos do uso excessivo de dispositivos electrónicos também atuam sobre a nossa capacidade de memorização.
Segundo Daniela Silva, a nossa memória poderá ser prejudicada devido "às capacidades que as novas tecnologias têm em armazenar a informação, o que leva a que as pessoas não estimulem a própria memória". Para a psicóloga, como sabemos que os aparelhos vão lembrar-se das informações por nós – as tarefas a realizar e as datas de aniversário, por exemplo –, não sentimos a necessidade de as memorizar. Assim, a nossa capacidade de reter e de evocar conteúdos fica comprometida.
"A maioria da população guarda e armazena tudo nos dispositivos electrónicos, como os smartphones", refere. No mesmo sentido pronuncia-se Pedro Albuquerque. "Numa perspetiva cognitivista e tendo em conta que a memória é um processo cognitivo que, quando treinado de forma regular, pode aumentar a sua capacidade, diria que este tipo de gadgets poderá ser visto como inibidor desse treino", explica.
No entanto, o especialista refere que "o maior problema para a memória não advirá diretamente do uso deste tipo de tecnologias, mas do tipo de atenção, motivação, envolvimento que elas sugerem e estruturam nos indivíduos." A atenção, em particular, desempenha um papel crucial na memorização de conteúdos. Nesse sentido, "se dividirmos a atenção por vários assuntos ao mesmo tempo, a memória será, com grande probabilidade, prejudicada", afirma Pedro Albuquerque.
A situação agrava-se com o maior uso das redes sociais, cujo acesso está facilitado com a presença da Internet em smartphones e tablets. O investigador da U. Minho explica esta asserção com o exemplo de "um estudante que, durante o tempo de estudo, tem o Facebook a emitir som de cada vez que lhe chega uma mensagem". Segundo o especialista, "a tendência será para dividir a atenção entre o estudo e a resposta ao Facebook, com um prejuízo mais comprometedor para a primeira tarefa."
E fotografar? Afeta a nossa memória?
Como consequência do aumento do uso de smartphones e de redes sociais como o Instagram e o Snapchat, surge também o aumento do ato de fotografar. Muitos estudos apontam as fotografias como um fator de enfraquecimento da memória.
A psicóloga Linda Henkel, da Universidade de Fairfield, em entrevista à BBC a respeito de um estudo que publicou em 2013 sobre o efeito do ato de fotografar na nossa capacidade de reter informação, explicou que "as pessoas usam as câmaras quase de forma intuitiva para capturar um momento, chegando ao ponto de perder o que se está a passar mesmo à sua frente".
Durante a sua investigação, a autora levou um grupo de estudantes numa visita a um museu, pedindo a alguns para fotografarem as obras de arte e a outros para as observarem. No dia seguinte, os participantes incumbidos de fotografar os objetos sentiram mais dificuldades em recordar e evocar os detalhes das obras em relação aos que se limitaram a observá-las.
A especialista mostrou, assim, como a capacidade de relembrar objetos – mas também acontecimentos – foi prejudicada pelo ato de fotografar, sobretudo devido à expetativa que os estudantes tinham de aceder às imagens recolhidas. "Quando as pessoas confiam na tecnologia para se lembrar das coisas por elas – contando com a câmara para registar eventos – , esse ato pode ter um efeito negativo na forma como elas irão recordar a experiência", acrescenta a responsável.
O investigador Pedro Albuquerque encara a recolha fotográfica numa perspetiva mais optimista. "O ato de fotografar em particular não parece ter um efeito tão pernicioso na memória. Neste caso, acho mesmo que o efeito pode ser o contrário. A fotografia sempre serviu como uma forma ou contexto de recuperação da informação. Quando olhamos para fotografias realizadas há muitos anos somos por vezes despertados para memórias desses momentos, lugares e pessoas que julgávamos "completamente" esquecidos.".
Para o especialista, e em relação ao impacto das novas tecnologias no geral, também no futuro a nossa memória poderá adaptar-se ao uso contínuo e cada vez maior dos novos e inovadores produtos tecnológicos que vão surgindo. "A capacidade do ser humano para se adaptar à inovação é imensa. Pode ser que o nosso cérebro se venha a adaptar a estas novas tecnologias, desenvolvendo novos mecanismos de codificação e recuperação da informação", conclui.
Foto: ©João Pedro Sousa