As espécies de grandes carnívoros estão a expandir-se e a ocupar zonas cada vez mais humanizadas na Europa, graças a um modelo de coexistência entre humanos e animais. Este é o resultado de uma investigação publicada hoje na revista "Science", que conta com a colaboração do português Francisco Álvares.
"Com este estudo pretendemos dar conhecimento da recuperação das quatro espécies de grandes carnívoros – lobo (Canis lupus), urso pardo (Ursus arctos), lince euroasiático (Lynx lynx) e wolverine ou carcaju (Gulo gulo)", indica em entrevista ao Ciência 2.0 Francisco Álvares, biólogo e investigador do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos.
Ao contrário do que acontece na maioria dos continentes, em que as espécies se encontram principalmente circunscritas a áreas protegidas, "onde a atividade humana é mínima" – modelo de separação –, na Europa os grandes carnívoros têm tendência a expandir-se em paisagens dominadas pelo Homem, explica.
"A situação europeia revela que os grandes carnívoros e as pessoas podem partilhar a mesma paisagem", referem os autores no estudo. Para tornar possível este modelo de coexistência, Francisco Álvares refere que foram fundamentais fatores como a alteração da paisagem e uma menor perseguição humana às espécies, com a classificação da maioria como protegidas.
"Mudanças de paisagem relacionadas com o abandono rural, em que as zonas rurais começam a estar mais despovoadas e com uma maior recuperação da vegetação natural, vão permitindo que as grandes espécies de carnívoros colonizem essas áreas", salienta.
Lobo-ibérico em regressão
Das quatro espécies analisadas no estudo, o lobo é a único grande carnívoro que tem presença no território português. O lobo-ibérico (Canis lupus signatus) enfrenta uma situação um pouco diferente da que se verifica no continente europeu.
"O lobo era uma espécie ainda presente em todo o país em meados do século XX. Atualmente circunscreve-se apenas à zona norte, principalmente a norte do rio Douro, com uma população isolada a sul do rio Douro, na zona de Viseu", salienta.
Francisco Álvares indica que em Portugal existem cerca de 300 lobos. Apesar de haver a recolonização de alguns territórios nas últimas décadas, a espécie parece estar em regressão em algumas zonas. "De forma geral podemos considerar a população como estável, mas necessitamos de censos atualizados, já que os últimos números foram estimados há cerca de 10 anos", salienta.
O especialista alerta para a necessidade de existir uma coexistência mais sustentável entre o lobo e o Homem, "através da redução dos ataques à pecuária e de uma responsabilização dos proprietários pecuários para aplicar medidas de prevenção mais eficazes, como cães de gado, cercas e uma maior vigilância", conclui.
Com vista à conservação e coexistência com o lobo-ibérico, reuniram-se, esta semana, em Gouveia, vinte entidades de diferente setores para concretizarem um Plano de Ação Nacional que prevê o envolvimento de toda a sociedade na convivência sustentável com a espécie.
Foto: Kjell Isaksen