O Olhar de...
- Professora universitária e escritora portuguesa
- Professora Associada de Literatura e Cultura Inglesa e Americana na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
- Poetisa, autora de diversos livros de poesia e literatura para a infância. Grande Prémio de Poesia da APE - Associação Portuguesa de Escritores (2008)
- Antiga Estudante da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, com Licenciatura em Germânicas e Doutoramento em Literatura Norte-Americana
Como é que teve origem e se tem vindo a desenvolver a sua ligação à Universidade do Porto? Que principais momentos guarda da sua experiência enquanto estudante/professora da U.Porto?
Entrei como estudante na Faculdade de Letras do Porto, no curso de Germânicas, em 1975, e depois, em 1980, como professora na mesma Faculdade. Leccionei assuntos muito diversos (facto de que não me arrependo, porque isso me deu uma visão mais abrangente do que se tivesse ficado apegada a um determinado tema). Comecei pelo Romantismo Inglês, ensinei também a dramaturgia de William Shakespeare, depois Cultura Inglesa, Poesia Britânica Contemporânea, Poesia Norte-Americana Contemporânea, Tradução Literária e, mais recentemente, tenho vindo a dedicar-me igualmente aos Estudos Feministas e à Literatura Comparada. Prestei provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica em Literatura Inglesa, com um trabalho sobre uma peça de Shakespeare, King Lear, doutorei-me em Literatura Norte-Americana, na poesia de Emily Dickinson, e o relatório para o meu concurso a Professora Associada integrava os Estudos Feministas nos seus pressupostos teóricos. Seja como for, as minhas inflexões foram sempre direccionadas para o estudo da poesia e da poética.
Lembro-me do primeiro ano em que ensinei, 1980-81, e de ter algo como 250 alunos – dava então aulas num anfiteatro e os alunos sentavam-se no chão… Fiquei amiga de muitos deles. De resto, eu aprendo muito com os meus alunos. Entendo que a relação ensino-aprendizagem é uma experiência mútua. Ainda hoje encontro antigos alunos, muitos deles agora professores, que ainda sabem de cor excertos de poemas de William Blake, que eu ensinei há vinte anos... E isto é uma das coisas mais gratificantes no ensino.
Gostaria ainda de referir que de há uns dois anos a esta parte tenho ensinado Escrita Criativa (poesia), numa iniciativa conjunta da Reitoria da U.Porto e da Editora Civilização. Este curso, que vai agora na sua 3ª edição, é aberto a qualquer pessoa e tem dado resultados maravilhosos. Continuamos todos em contacto, fazemos jantares mensais, em que lemos poemas e discutimos poesia. E o mais visível (e extraordinário) resultado dessas sessões é real – ainda que sendo virtual e podendo ser consultada num blogue feito pelos participantes, que se chama omarpareceazeite.blogspot.com.
- Qual a importância da U.Porto no seu percurso profissional e de que modo tem ido de encontro às suas expectativas?
A U.Porto tem uma clara importância no meu percurso profissional e de vida. Tenho 54 anos e ensino na Faculdade de Letras do Porto há trinta anos, o que significa que a minha idade adulta foi toda passada como professora e investigadora desta Universidade. Nela fiz grandes amigas e amigos. Mesmo em relação à minha poesia, a experiência de ensino e de contacto com os alunos, o aprofundamento de matérias – tudo isso constitui, ao fim e ao cabo, parte da vida que depois, necessariamente, embora de uma forma não explícita, percorre os meus poemas e para eles contribui.
O grande problema hoje diz respeito à relação entre o ensino, a investigação e a extensão à comunidade. Passo a explicar. De há uns anos para cá formaram-se (e muito bem!) os centros de investigação (eu pertenço a dois, o Cetups e o Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa, cuja direcção integro). Estes centros, que são as unidades de investigação subsidiadas pela FCT, canalizam a maior parte da nossa investigação, assim como os nossos projectos. Ora, é cada vez mais difícil gerirmos o tempo necessário a essa investigação e o que nos é exigido em termos de docência – ensinamos várias cadeiras no mesmo ano (isto com uma muito maior exigência em termos de avaliação, dado o processo de Bolonha), orientamos cada vez mais teses, vemo-nos envolvidos em relatórios, inquéritos, ou seja, questões burocráticas que nos consomem cada vez mais tempo e energia. Simultaneamente, é incentivada (o que me parece um gesto muito meritório) a ligação à comunidade. Mas o tempo não chega para tudo, pura e simplesmente…! Penso que se a U.Porto, que pelos vistos é já uma instituição de referência, deve repensar essa relação entre a investigação, o ensino e as tarefas de extensão a uma comunidade não necessariamente académica. Eu, por exemplo, tenho de momento um projecto internacional, que envolve 15 países e mais de 25 investigadores portugueses e estrangeiros; ensino quatro mestrados e uma cadeira de licenciatura, que tem imensos alunos; oriento, em média, 8 teses; escrevo ensaios críticos e participo em colóquios; falo traduções e organizo livros; finalmente, porque sou escritora, publico livros e sou constantemente solicitada a ler poesia ou a falar sobre poesia quer em Portugal, quer no estrangeiro (e saliento que, cada vez que saio do país, a Faculdade de Letras sai também comigo…). Tenho a sorte de ter à frente da minha Faculdade alguém que entende a importância da relação entre a escola e a comunidade. Mas está a tornar-se quase impossível articular todas estas coisas.
Não tenho soluções, mas tenho algumas propostas: contratar mais pessoal para o ensino, por exemplo, assim libertando um pouco quem dedica grande parte do seu tempo à investigação e ainda realiza tarefas de ligação ao exterior. Penso que é muito importante que a U.Porto reflicta sobre estas questões.
- Como avalia o papel desempenhado pela Universidade no seio da comunidade (cidade, região, país) e de que modo ele se poderá projectar para o futuro?
De forma a projectar-se no futuro deverá a Universidade investir nas suas valências, que são várias. Lembro-me de, há dois anos, estar a traduzir a poesia de John Updike e de precisar de uma série de referências em português para certas flores e certas formações montanhosas e ainda de termos específicos do golfe. Contactei, na altura, colegas de Botânica, de Geografia e de Desporto – e os termos em português chegaram-me rapidamente, acompanhados de simpáticas explicações. Isto é um pequenino exemplo que pode servir só para sublinhar o que já sabemos, mas que por vezes esquecemos: que a U.Porto é formada por várias Faculdades, que concentram saberes de ordens diversas. É preciso aproveitá-las, formar redes. Seria excelente que os centros de investigação cruzassem áreas diversas como a literatura e a física, a engenharia e as artes, por exemplo. Fico sempre muito impressionada e até comovida quando me apercebo de como aos colegas das ciências podem interessar (e realmente interessam) áreas como aquelas em que eu e os meus colegas da FLUP nos movemos. Isto acontece cada vez mais a nível das pós-graduações, em que temos alunos licenciados por outras faculdades a quererem aprender assuntos como poesia anglo-americana, poéticas comparadas, cinema e literatura policial, ou estudos feministas.
Também o que referi na primeira questão sobre o curso de Escrita Criativa é um exemplo muito bom de como a U.Porto se pode aproximar da comunidade. Mais uma vez, é necessário dar às pessoas espaço e tempo (sublinho ‘tempo’) para que essa aproximação possa ser feita. Julgo que esses esforços institucionais têm vindo a ser levados a cabo, até mesmo nalgum reconhecimento dado às chamadas Humanidades. Mas é preciso mais: entender, por exemplo, que a Filosofia ou a Literatura, e o seu estudo, não geram protótipos, não têm valências económicas imediatas, mas que ensinam e ajudam a pensar – assim criando cidadãos com verdadeiro espírito crítico, ou seja, seres humanos melhores. Não podemos perder de vista essa perspectiva, a do humano. Sob pena de nos perdermos a nós mesmos.
- Mensagem alusiva aos 100 anos da Universidade do Porto (formato livre)
Volto a algo que se prende com o que já disse atrás sobre uma universidade dever ter uma função primeira: a de ajudar a pensar e a desenvolver um espírito crítico, ou seja, fomentar a curiosidade e o constante questionamento do instituído. Só assim podem os sonhos avançar e podem as utopias tornar-se realidades. Ao lado do pensamento, a paixão. Recuso-me a pôr de lado o factor ‘paixão’ nas coisas que faço, e ensinar e aprender, quer nas aulas, quer na investigação, se não for feito com paixão, não tem sentido, para mim. Só que a paixão precisa de tempo para ser alimentada.
Depois, e tendo como pano de fundo a etimologia da palavra “universidade” e a sua relação com “universus”, desejar que a nossa Universidade retenha o gesto de acolher a diversidade e a pluralidade, se desenvolva enquanto projecto não hierarquizado (com escolas e saberes de primeira classe e escolas e saberes de segunda classe), mas feito de transversalidade e de partilha.
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